Review – Pantera Negra

Black Panther

Direção: Ryan Coogler

Elenco: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong\’o,  Danai Gurira, Letitia Wright, Daniel Kaluuya, Andy Serkis, Forest Whitaker, Martin Freeman, Angela Bassett, Winston Duke, Sterling K. Brown, John Kani.

E.U.A., 2017

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Enfim chegou aos cinemas o aguardado Pantera Negra, abrindo o ano para os filmes do universo Marvel. Um ano que ainda terá Vingadores: Guerra Infinita e Homem-Formiga e Vespa. Eu diria que a Marvel começou o ano muito bem. Então, vou dar um tempo nos filmes indicados ao Oscar e vamos falar do Pantera, do filme em si, que assisti no último sábado e de porque, antes mesmo do lançamento, o filme já agradava tantos e incomodava alguns. Isso já é comum com os filmes Marvel e DC, não entre os verdadeiros fãs de boas histórias de quadrinhos e de bom cinema de entretenimento, mas entre os trolls fanboys que se proliferam na internet, adoram \”cagar regra\” e exaltar o que interessa ou atacar o que não gostam antes mesmo de assistir a tal obra. Com Pantera Negra não foi diferente, ainda mais com o elemento da questão racial e representatividade, que já deixo nítido de início, Pantera Negra é um filme para todos e todas.

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A trama de Pantera Negra se passa após os eventos de Capitão América – Guerra Civil,  com T\’Challa ( Chadwick Boseman) assumindo o trono de Wakanda, após o assassinato de seu pai, o rei T\’Chaka (John Kani), em um atentado à ONU. Vemos então T\’Challa passar por todo processo que as tradições de Wakanda exigem para que ele se torne rei e assuma de vez o manto do Pantera Negra, o processo inclui ser desafiado por algum outro pretendente ao Trono, ele acaba tendo de enfrentar M\’Baku ( Winston Duke) líder dos Jabari, uma das cinco tribos que formam Wakanda, a mais isolada delas. Após assumir o trono, T\’Challa inicia uma caçada a Ulysses Klaue (Andy Serkis) o Garra Sônica, procurado por assassinato e contrabando de Vibranium, um dos metais mais resistentes do universo e que somente Wakanda possui.

Logo o Pantera Negra e seus aliados e familiares vão descobrir que há uma trama acontecendo que não envolve apenas Klaue. Surge na história Erik Killmonger (Michael B. Jordan), morador de Oakland, em São Francico – EUA, ele reivindica o trono de Wakanda como filho do irmão do rei T\’Chaka, N’Jobu (Sterling K. Brown, que aparece pouco, mas já mostra o tremendo ator que é numa das cenas mais dramáticas de um filme Marvel.  Brown acabou de ganhar vários prêmios por sua atuação na série This Is Us) e anuncia que quer romper o isolacionismo de Wakanda e enviar armas feitas à base de vibranium para que com sua liderança os negros iniciem uma guerra e tomem controle das potências ao redor do mundo. A vida  de Killmonger foi marcada pela opressão do racismo e ele quer dar continuidade ao objetivo que seu pai tinha no passado antes de ser impedido em circunstancias desconhecidas pela maioria ali.  Dessa forma se inicia a luta por Wakanda.

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Dito isso sobre a trama, não contarei mais para não entregar os pontos chave, mas abordarei outros momentos para falar do filme e de todo bafafá em volta. Pantera Negra entra fácil na lista de melhores filmes da Marvel até aqui. O diretor Ryan Coogler consegue fazer um filme de entretenimento para crianças e adultos como tem que ser um filme de heróis de quadrinhos, mas o filme tem mais do que isso. O diretor seguiu o caminho que os Irmãos Russo trilharam nos dois últimos filmes do Capitão América: ação, mas sem muitos exageros, um bom roteiro, mesmo que com coincidências e conveniências comuns a filmes de aventura; além disso, os tradicionais momentos de alívio cômico são bem inseridos, o filme tem até uma carga dramática considerável.

Em termos de produção o único porém é que os efeitos especiais deixam um pouco a desejar, principalmente no final, há momentos da luta entre T\’Challa e Killmonger que parece vídeo game e o cenário quase some como acontece nas lutas finais de filmes da DC como Batman V Superman e Mulher Maravilha. Porém, os diálogos da cena fazem com que seja um dos melhores finais de filme Marvel.

E quem disse que filme com essa proposta não tem conteúdo? Algumas pessoas criticaram o filme como se falassem tanto de representatividade e fosse esvaziado de conteúdo. Tem que lembrar que se trata de um filme dentro do universo cinematográfico da Marvel, não é um filme do Spike Lee ou outro cineasta de cinema engajado desse tipo, embora Coogler não seja um cineasta distante da abordagem de temas raciais, e não falo só por ele ser negro, já vou escrever porque não. Só que antes de ser filme de diretor, qualquer filme Marvel é filme de produtor, então sempre vai ter um limite. De qualquer forma, Pantera Negra não é esvaziado de conteúdo, há várias camadas com discussões que podem ser levantadas.

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Chegou a ter pessoas minimizando a questão da representatividade, afirmando que não é o primeiro filme com predominância de negros no elenco e nem o primeiro filme de herói negro. De fato não é o primeiro longa com predominância de negros, afinal nos anos 70 havia o Blaxploitation e sem falar nos filmes do Spike Lee e outros, mas Pantera Negra inova sim em termos de representatividade, por se tratar de um herói do mesmo naipe de um Batman, um Capitão América ou um Super Homem, é a primeira vez que se tem um filme com maioria do elenco de negros que é um filme de super herói, que pode ser visto por crianças, que pode inspirar crianças como esses citados, que tradicionalmente são lembrados quando se fala de heróis da criançada.

Nesse sentido é algo que tem sim sua importância, ainda que obviamente não resolva o problema do racismo no mundo. Outros personagens negros de quadrinhos, que tiveram filmes ou eram na verdade anti-heróis caso de Spawn – O soldado do Inferno, que vendeu sua alma e Blade, que era um vampiro, ou se tratou de um filme tão ruim que quase ninguém viu, caso de Aço, que só saiu por causa da insistência de Shaquille O\’Neal. Nenhum desses filmes tinha a representatividade como preocupação e Pantera Negra, como já disse, é o primeiro que vem com essa pegada de fato de Super Herói, ainda mais sendo da Marvel.  E se você acha que racismo não existe, que isso não é importante, é só lembrar que assim como aconteceu com o novo Star Wars, tem gente pregando boicote ao filme e até soltando notícias falsas de que brancos teriam sido agredidos em seções do filme.

E o filme não fica só na representatividade, de fato é um bom filme com temas que vão além da história de super herói, como já disse. Escrevo sobre isso agora aproveitando para destacar personagens do filme e algumas cenas, sem spoilers. A briga entre Pantera Negra e Killmonger remete ao debate entre Martin Luther King e Malcolm X, um pregando a não agressão e outro falando sobre pegar em armas para lutar contra a opressão, mas é uma referência utilizada, não é que seja apenas isso, nem que X seja o vilão no filme. T\’Challa, bem interpretado por Boseman, já a vontade no papel, não é exatamente pacifista e o ponto central que ele vai ter de repensar é a decisão que Wakanda mantém desde antes e que seu pai continuou defendendo, a todo custo diga-se de passagem, de não se envolver nas questões internacionais, assim proteger seu povo, sua tecnologia e o vibranium, uma ideia que é totalmente diferente do que King defendia, pois não ajuda os negros pelo mundo. King sempre falou em defender as pessoas oprimidas no mundo todo, não apenas na América. T\’Challa repensa isso, mas não num sentido que desafia a ordem, afinal ele é um mornaca.

Também não dar para defender totalmente Killmonger, mesmo concordando com sua luta. É um dos melhores vilões da Marvel até aqui, junto com Loki e o Abutre, sua motivação e a interpretação de Michael B. Jordan com uma dose certa de raiva, sem ficar caricatural, o fazem um grande personagem, através dele é abordado as violências de cunho racial que negros passam nos EUA e pelo mundo, então é possível compreender totalmente ele. Só que é um filme da Marvel, então tem os momentos em que ele de fato faz as \”vilanices\” exigidas, uma delas algo que um vilão de filme do Stallone também faz. Além disso, o modo como tenta iniciar uma \”revolução\” mostra suas falhas, ele não se tornou um líder, organizando pessoas e criando um movimento para depois chegar ao poder, ele foi buscar o poder pela conquista do trono, ainda que de fato tivesse direito, para então se tornar líder

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A Marvel nos quadrinhos sempre esteve atenta às lutas e transformações da sociedade, a criação do Pantera Negra em 1966 sendo o primeiro herói negro é um exemplo disso. Um herói africano que é rei e descende de uma linhagem que de geração em geração veste o manto do Pantera Negra. Até então com histórias passadas na África havia o Tarzan e o Fantasma, heróis brancos, e os negros apareciam sem protagonismo. Rolava até uma confusão de que Stan Lee e Jack Kirby se inspiraram no movimento dos Panteras Negras ao escolher o nome, outros diziam que os líderes do movimento se inspiraram no personagem. O fato é que assim como o herói, o movimento também surgiu em 1966 e ao que tudo indica um não teve relação com o outro, apenas estavam conectados com as tensões da sociedade naquele momento.

Dessa forma fiquei contente que o filme não deixou de lado esse aspecto. Ryan Coogler usou de referências desde os primeiros cartazes em que a pose do Pantera remete a imagem de Huey Newton, um dos líderes dos Panteras Negras.  Coogler coloca o início do filme em 1992 não por acaso, um ano em que as lutas raciais mais uma vez eclodiram nos EUA com o caso Rodney King, taxista negro espancado pela polícia em 1991. O diretor é nativo de Oakland, cidade em que Killmonger morava, onde recentemente ocorreram casos de violência racial grave, incluindo a morte de um jovem negro, Oscar Grant, pela polícia que foi tema do seu primeiro filme \”Fruitvale Station – A Última Parada\” de 2013, por isso disse que ele não estava distante da temática.

Outro ponto que não pode ser deixado de lado, como já apontei, é o elenco. Lógico que a Marvel/Disney é uma grande empresa preocupada com lucros,  então não ia muito além dessa forma que o tema aparece, mas ao menos está ali e ver um elenco fantástico desses reunidos é um tapa em cada produtor de Hollywood que diz que não é racista e dar sempre a desculpa de que não há atrizes negras e atores negros para tal papel.  Além de Boseman e Jordan temos um grupo de mulheres negras fortes que não ficam devendo nem na ação. Lupita Nyong\’o faz Nakia paixão de T\’Challa, que está longe de ser mocinha desprotegida, ela resiste a ficar no reino porque prefere está lá fora agindo como ativista, seu personagem permite que o diretor chame atenção para a questão dos refugiados, outro tema muito pertinente. Em uma parte se ouve a frase \”“em um momento de dificuldade, sábios criam pontes, tolos criam barreiras”\” um tiro que tem direção certa na atual política estadunidense.

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Além de Lupita, outro destaque do filme é a General Okoye (Danai Gurira) que comanda as tropas de Wakanda. Na cena de perseguição ao Garra Sônica sua performance na ação empolga tanto quanto o Pantera. Okoye, além de ser inspirada em guerreiras africanas tem muita referência na personagem Zula de Grace Jones no filme Conan, O Destruidor, a cantora e atriz chega a ser citada no filme e, não só aparência, mas a postura dela em combate usando a lança lembra muito Grace.  Danai Gurira, atriz já com 40 anos de idade, não só é vista em \’\’The Walking Dead\’\’ como também já ganhou prêmio como dramaturga e atriz de teatro e em festival de cinema independente, ela também é co-fundadora da Almasi, uma organização dedicada à educação continuada focada em artes no Zimbabwe.

Há ainda Shuri (Letitia Wright) responsável pela maior parte dos alívios cômicos do filme, mas se engana quem achar que é a única função dela, ela fala sério quando precisa e suas brincadeiras num tom certo passam que ela não quer ser uma princesa delicada como se espera, é também cientista do reino inventando equipamentos para o Pantera Negra, lembrando o \”Q\” de 007, além disso participa de cenas de ação. Por fim há a veterana Angela Bassett como Ramonda, mãe de T\’Challa, que assim como outro veterano, o grande Forest Whitaker que faz o ancião Zuri, não aparecem tanto, mas estão ali para abrilhantar mais ainda o elenco, como acontece em vários filmes da Marvel, e se saem muito bem no tempo que têm.

Outros personagens do filme são: W’Kabi, líder de uma das tribos, interpretado pelo ótimo Daniel Kaluuya indicado ao Oscar desse ano por Corra! seu personagem avido por vingança oscila de lado na batalha por Wakanda. Como o filme tem muita coisa para mostrar essa mudança rápida do personagem pode incomodar , mas como Kaluuya atua muito bem, no pouco tempo que tem consegue passar as incertezas de W’Kabi em qual rumo seguir.

Por fim vale falar do líder dos Jabari, M\’Baku, a primeira vista sua tribo parece está ali para representar os velhos estereótipos dos povos africanos, mas  parando pra analisar não é bem assim. Nos quadrinhos M\’Baku era chamado de Homem Gorila, algo evitado aqui. Na cena em que Ramonda, Shuri e Nakia juntas apenas do forasteiro agente Ross vão até a sua presença e vemos M\’Baku falando com elas em tom ameaçador de intimidação com a sua tribo ao redor e todo o estereótipo animalesco, remete a imagem que o cinema ajudou a construir para o homem negro, algo que começou lá em \”O Nascimento de Uma Nação\” (1915) de D. W. Griffith, como bem foi discutido no documentário 13ª Emenda de Ava DuVernay, o homem negro como violento, estuprador, um super predador, como se fizesse parte da natureza do homem negro. Lógico que sabemos que não ia acontecer nada de ruim com elas, é um filme Marvel, mas se esquecermos isso e pararmos para analisar a cena, poderia ser de fato o medo delas lá. Em seguida se ver que o diretor queria exatamente confrontar esse estereótipo, se percebe que os Jabari eram temidos, mas nunca tentaram de fato conhecê-los, saber quem são, o rei de Wakanda nunca havia estado naquelas terras. Até a piada com o canibalismo teve essa intenção de  tensionar os estereótipos que temos constituídos sobre africanos. Vale lembrar que os Jabari são povos da neve, isso mesmo existe neve no continente africano, e não é só na nação fictícia de Wakanda, procurem imagens do Kilimanjaro norte da Tanzânia, por exemplo, a Geografia da África é mais do que savana e deserto.

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Sobre os personagens brancos, bem aos estilo Blaxploitation temos apenas um dos vilões, o cômico Garra Sônica e nos mocinhos o coadjuvante Agente Everett K. Ross (Martin Freeman), que até ajuda os heróis na batalha, mas seu personagem está presente exatamente para ressaltar que o protagonismo é negro. Ali ele não tem domínio de fala.

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Portanto, gostei bastante do filme, como já afirmei contribui com a questão da representatividade e levanta questões para serem discutidas, mas do que isso não se pode esperar da Marvel/Disney ou qualquer outra grande corporação. E como disse desde o início é um filme para todas e todos assistirem, estou falando de negros, brancos e todas as etnias. O debate sobre representatividade e protagonismo na produção artística é para que tenhamos referencias, no caso especialmente crianças possam optar ter um herói negro como favorito. Então, não é para ficar nessa coisa que estou vendo \”esse é um filme para negros\”, \”branco não tem que ver\”. Isso não ajuda em nada. É um filme da Marvel que traz protagonismo negro e ponto.

A Marvel/Disney é uma empresa, de maioria de acionistas brancos como qualquer empresa capitalista, que abriu para as questões de representação, porque isso virou filão comercial também? certo, mas também foi devido a um histórico de movimentos, lutas, cobrança por mais espaço, e que bom que o espaço foi conquistado. Assim, é possível sair um filme como esse, com diretor negro e equipe e elenco na maior parte de negros. Mas, creio que exatamente por isso deve ser visto por todos, principalmente crianças de todas as cores, para que no futuro isso não seja mais polêmica. Quero sim que brancos e todos vejam o filme, uma imagem de África, que raramente é passada nas produções cinematográficas, ainda que um país fictício, mas que tem muito dos países reais e seus povos. Quero que vejam também a quantidade de bons atores e boas atrizes negras que estão aí e nem sempre conhecemos.

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