Caso Raphael Montes ou como homens não sabem ouvir (as mulheres)

O problema de tratar toda crítica como “cancelamento”

Raphael Montes é um dos autores de suspense/horror mais vendidos do país, com títulos como Dias Perfeitos (recentemente virou série no Globoplay), Jantar Secreto e Uma Família Feliz, Bom Dia, Verônica (livro em parceria com Ilana Casoy e que virou série na Netflix). Seu trabalho soma ainda um prêmio Jabuti por Uma Mulher no Escuro.

Nas últimas semanas, a adaptação de Dias Perfeitos reavivou críticas — em especial de leitoras — sobre o uso recorrente de violência contra mulheres como eixo dramático nas obras do autor. O livro tem como trama central o sequestro de Clarice por Téo; a série inseriu o ponto de vista dela e alterou o final, o que intensificou o debate nas redes.

Como resposta, Montes publicou um vídeo irônico (e bem constrangedor) sugerindo que, frente às críticas, optaria pela “autoajuda” em detrimento ao horror, escrevendo “histórias edificantes que melhoram a autoestima”.

Acho lamentável como nos dias atuais toda crítica é reduzida a “cancelamento”. As pessoas parecem incapazes de refletir sobre o que criam (livros, músicas, filmes, etc) e como a obra é recebida. Não estou dizendo que criadores devem pautar seus trabalhos pela opinião do público. Porém, se seu trabalho recebe críticas — críticas, não ataques pessoais — vale a pena pensar sobre elas e de onde elas vem. Afinal, toda obra é também do leitor/ouvinte/ espectador, que a recebe e a ressignifica.

Quando mulheres apontam um problemas, viram “histéricas”

Montes e seus fãs mais ativos, reduziram as críticas, como se fossem simplesmente um incomodo com o fato de um autor de horror escrever textos sombrios, ou seja, uma grande bobagem que não merece uma contra-argumentação séria. Todavia, o ponto central das críticas feitas por mulheres à obra do autor diz respeito a um certo padrão de transformar a violência de gênero em atalho narrativo, muitas vezes de forma vazia.

Eu não vou nem entrar no mérito se essas críticas são justas ou não, até porque isso demanda um debate complexo, que envolve liberdade de expressão e criativa, o lugar da mulher na sociedade e que abrange não apenas a obra do Raphael Montes, mas o gênero horror. Assunto que, sinceramente, não tenho opinião formada. Amo horror, mas sei que a violência contra a mulher é sim, muitas vezes, banalizada e até fetichizada. Não quero dispensar o incomodo de outras mulheres com chavões rasos, como “mas a mulher sofre violencia no mundo real, a ficção só está retratando isso” ou “horror é para incomodar mesmo”. Por outro lado, também não vou acusar ninguém de misoginia porque escreve livros que trazem situações de abuso, muito menos dizer o que um autor deve ou não abordar em sua obra.

Dito isso, o que realmente me incomodou foi a resposta do autor.

Existe um padrão social fatigante: mulheres trazem uma crítica e são tratadas como “exageradas”, “malucas”, “puritanas”. Nesse caso, em vez de refletir “por que tantas tramas minhas e de horror em geral se escoram no sofrimento feminino?”, a resposta pública foi: ego ferido, piada e ataque, fazendo uma caricatura de quem crítica como seres “gratiluz” que só leeim obra edificantes e de autoajuda. A discussão pedia menos sarcasmo e mais escuta.

Se o tropo é recorrente, assuma e reflita. Pare de tratar leitoras como “fandom histérico”. Argumento merece resposta argumentada, não chacota. Responder com ironia é perder a chance de fazer a única coisa que realmente importa para quem escreve horror em 2025: entender por que a dor feminina virou commodity e decidir, conscientemente, se você quer continuar vendendo isso ou fazer algo mais interessante.

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