Para quem não conhece Peliplat é uma plataforma voltada para textos e reflexos sobre cinema. Mensalmente, eles promovem dois concursos, com temas diferentes (inclusive com prêmios em dinheiro). Participei de alguns e, ao poucos, vou postar por aqui. O tema desse era “A animação que mais me marcou”.
Akira: A Animação Que Me Ensinou Que Beleza e Incômodo Podem Andar Juntos
Eu devia ter uns sete ou oito anos, quando assisti Akira pela primeira vez. Não porque alguém pensou que eu fosse madura o suficiente para distopias urbanas, violência ou dilemas existenciais, mas como a maioria das crianças dos anos 90, as famílias não eram muito preocupadas em filtrar o que se assistia. Além disso, como filha mais nova de três, claro que eu sempre assitia tudo que meus irmãos assistiam. Ainda bem.
Eu não entendia nada de política, colapso social ou experimentos secretos do governo. Mas entendia a sensação de estar diante de algo grande, estranho e intenso. Neo-Tóquio era como um organismo vivo, pulsando luzes de néon, sujeira e gente apressada. As motos cortando a noite pareciam voar, e o som dos motores ficou gravado na minha cabeça como um rugido de liberdade misturado com perigo.
Akira me mostrava um mundo caótico, onde nem sempre o herói vence de forma limpa, onde a amizade pode se corroer com o tempo, e onde poder demais pode transformar alguém em algo irreconhecível. Tetsuo e Kaneda eram amigos, mas também rivais. E essa dinâmica me fez, sem perceber, começar a entender que relações humanas são complexas, e nem sempre as pessoas que amamos estão no mesmo caminho que a gente.
Claro, naquela idade, eu não conseguia articular, mas sentia o desconforto, a admiração e a excitação. E isso é algo que carrego até hoje: a ideia de que nem toda história precisa ser confortável para cativar. Algumas histórias existem para cutucar, provocar, incomodar — e Akira fez isso comigo antes mesmo de eu saber o que era “distopia”.
Ao longo dos anos, revi o filme várias vezes. Cada vez que reassisto, descubro algo novo. Um detalhe na animação que não tinha notado, uma cena cujo diálogo agora faz mais sentido, um subtexto político que antes passava batido. É o tipo de filme qu vai se revelando, porque o conteúdo não muda, mas o nosso olhar sim.
A estética também deixou sua marca. Aqueles enquadramentos grandiosos, o uso quase sensorial das luzes e sombras, o som abafado misturado com explosões viscerais e a trilha sonora… que trilha sonora! Tudo isso moldou meu gosto para cinema e animação. Foi a partir dali que comecei a buscar histórias que ousavam ir além, que não tratavam o público como incapaz de lidar com complexidade só porque era “desenho”.
Hoje, quando penso em Akira, não penso só em um filme. Penso em uma porta que se abriu cedo demais — e que ainda bem que se abriu. Porque, ali, entendi que arte não tem idade mínima para impactar, nem obrigação de ser gentil. Que às vezes o que mais fica com a gente não é a cena bonita ou a lição bem explicada, mas o nó na garganta, a sensação de estar diante de algo que não dá para controlar ou compreender por inteiro. Akira me mostrou que o desconforto também é parte da beleza, e que algumas obras existem justamente para nos tirar da zona de segurança, cutucar nossas certezas e deixar perguntas ecoando muito depois que os créditos sobem.






