Tem spoilers do filme O Diabo Veste Prada
Lembro que conferi O Diabo Veste Prada na época em que eu dava aulas e estava procurando filmes que tocassem em temas sociais, como o machismo, por exemplo, mas fossem mais leves, porque eu não ia levar, sei lá, Acusados para exibir numa turma de sexto ano. Enfim, eu queria ter uma gama de opções, já que trabalhava com diferentes faixa-etárias. No final das contas, nunca usei o filme (nem professora eu sou mais, risos), pois acho que ele até levanta alguns pontos interessantes, mas tem outras coisitas meio problemáticas
Pelo Twitter
Ontem, cá estava eu no Twitter e está rolando o meme “The movie villain. The actual villain”. Assim, passou na minha timeline esse twitt
Pode ser que a dona do twitt não esteja falando 100% à sério, mas isso acabou me lembrando de outros comentários que vi tempos atrás, também no Twitter (me sigam), que de fato defendiam a personagem Miranda (Maryl Streep).
Chefe x Namorado
Pra quem não assistiu, o filme acompanha Andy Sachs (Anne Hathaway), jornalista recém-formada que acha toda a indústria da moda uma grande futilidade, mas acaba conseguindo um emprego como assistente pessoal júnior de Miranda Priestly, a editora-chefe de uma importante revista de moda. De início, ela não se encaixa, porém se sente desafiada pelas ofensas da chefe, querendo provar sua competência de qualquer jeito. Assim, Andy passa a trabalhar com todo afico, o que significa prestar a atenção nos mínimos detalhes para não desagradar Miranda, mas também ficar disponível 24 horas por dia.
O excesso de trabalho faz com que a jornalista deixe amigos e o namorado (Adrian Grenier) em segundo plano. Nesse ponto, ao meu ver, o filme falha bastante, pois em vez de parecer preocupado com a saúde física e mental de Andy, o cara parece só incomodado com o sucesso profissional dela. Você pode dizer que tem muito homem assim por aí, o que é verdade. Porém, considero uma falha porque estamos falando de uma comédia romântica e, no final das contas, a protagonista vai deixar o trabalho pra ficar com esse bolha egoísta. E é por isso que ele foi apontado como real vilão do filme.
Críticas ao mundinho fashion
O Diabo Veste Prada possui críticas a industria da moda e seus padrões de beleza e comportamentos, assim como ao machismo no mundo dos negócios . Aí tenho até que abrir uma parentese, porque esse não é o assunto do texto, mas acho meio tosco que queiram criticar o mundo fashion, mas escalem a Anne Hathaway, toda padãozinho, mas que começa o filme com roupas largas e outros personagens dizendo que ela precisa emagrecer se quiser vingar na industria, sendo que ela só está mal vestida mesmo.
Miranda e o feminismo liberal
Voltando a Miranda, muita gente defende que a personagem não é vilã; tem até vídeo gringo dizendo que ela é apenas uma perfeccionista, que quer que seus funcionários deem o melhor de si. Para justificar, isso há as cenas do próprio filme em que é dito que o fato dela se dedicar a carreira arruinou sua vida pessoal e como homens de negócios tão inclementes quanto Miranda são vistos como fortes e implacáveis, enquanto ela é a “megera”.
De fato, double standards existem. Entretanto, o fato de homens fazerem o mesmo, sem a mesma fama negativa, isenta a mulher de críticas? Sofrer com o machismo transforma o caráter das mulheres em algo acima de questionamentos?
É a mesma coisa toda vez que uma mulher faz uma merda, tipo caso Bettina ou deputada Tabata Amaral votando em favor da reforma da previdência que prejudica a classe trabalhadora. Sempre aparece alguma feminista liberal para dizer que “se fosse homem não seria criticado”. Essa distorção me incomoda bastante; pior ainda quando usam a palavra sororidade, como se significasse gostar e defender qualquer mulher, independente de suas ações.
Mulheres também oprimem
Você pode achar a personagem divertida e tals. Mas, essa normalização de chefe escrota, que não deixa funcionário ter vida próprio e tem prazer em humilhar, é demais pra minha cabeça. Por exemplo, esse comentário (que vou manter anonimo porque não me interessa expor a pessoa, afinal a ideia é a mesma de outros comentários que já vi)
Ela tinha seus problemas, mas não era pior que ele. Ele fez todo um abuso psicológico na Andy pra ela largar um emprego que ela gostava. A Miranda ajudou horrores a Andy a crescer.
comentário retirado do Twitter
Acho que por aí fica claro, como muita gente enxerga o abuso praticado pelo homem, mas releva o abuso psicológico praticado pela chefe. Abuso do namorado: toxidade. Abuso da chefe: ajudou a personagem a amadurecer.
Por isso odeio o esvaziamento que esses assuntos sofrem nas redes sociais, reduzindo uma série de questões a mulheres vs homens; e reduzindo o feminismo a colocar mulheres (brancas) em uma posição de poder. E é por isso que acredito que a questão de gênero não pode ser vista isoladamente das questões econômicas. Mulheres poderosas também oprimem outras mulheres e mesmo homens em posições de menor poder. Se você faz vista-grossa para isso, sua empatia não abrange todas as mulheres, apenas as CEOs; seu \”feminismo\” é uma distorção que critica homens cruéis, mas defender as mesmas crueldades quando exercidas por mulheres poderosas.
Caso não tenha ficado claro, isso nem é uma crítica ao filme, mas ao modo como algumas pessoas o enxergam. Também não é uma crítica a personagem, que existe para cumprir uma função na narrativa, no caso, a de vilã cômica.
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