Falta de qualidade? Industria musical tóxica? Será que são mesmo esses os motivos?
Se você está na internet, deve ter, ao menos, passado a vista em algo referente ao K-pop nos últimos anos. Mas, na mesma medida que o pop coreano ganhou fãs, também ganhou haters. Observando algumas postagens e memes zoando os Kpoppers, fiquei me perguntando porque o gênero desperta essa ojeriza e agora tenho cá meus palpites, baseados na observação de comportamentos no Twitter, porque eu não saio daquela rede, logo, onde mais eu iria observar?
Antes da gente começar, só para vocês saberem, não sou kpopper, aliás, estou velha demais para fazer parte de qualquer grupo de fãs que tenha um nome.
Como gosto muito de música e de ouvir coisas novas, já dei umas chances a alguns artistas do pop coreano, mas confesso que curti pouca coisa. Gostei do dance retrô do Triple H, das meninas do BLACKPINK, que acho que não fica devendo em nada para girlgroups ocidentais, como Little Mix ou o falecido Fifth Harmony, e da cantora Sunmi, que tem vídeos bem criativos e um timbre grave. Enfim, não dá para me dizer fã do gênero como um todo.
Então, Dri, porque você quer falar de K-POP? Porque alguns aspectos das críticas que o gênero sofre me incomoda demais. Mas, primeiramente:
O que é K-POP
O termo se refere à pop music coreana, gênero que tem se espalhado graças à internet. Mais do que um gênero musical, contudo, o K-POP é uma grande ferramenta de exportação cultural sul-coreana ao redor do planetinha azul.
A Hallyu, ou Onda Coreana, é um movimento que se caracteriza pela disseminação de conteúdos produzidos no país asiático. Projetada como estratégia de governo para combater a crise econômica que assombrou a Coréia do Sul durante a década de 1990, a Hallyu transformou não apenas o K-POP, mas também o K-Drama (as novelas coreanas), o cinema, a moda e a culinária do país em itens de exportação.
Origens do K-POP
Nos anos 90, o trio Seo Taiji and Boys apresentou a faixa I Know durante um show de talentos da TV coreana. A canção, que ficou com a menor pontuação do júri no final do programa, tinha muitas influências do hip-hop e do pop estadunidense agradou o público jovem.
A partir daí, novos grupos começaram a seguir o formato boyband inaugurado por Seo Taiji and Boys. Em 1996, H.O.T. se tornou um dos mais populares, sendo o primeiro grupo pop a se apresentar no Estádio Olímpico de Seul e também o primeiro a vender 1 milhão de álbuns, número muito expressivo em um período de crise econômica.
Em 2012, o K-POP chegou com força ao ocidente. Aliado ao poder da internet, o hit Gangnan Style, do rapper PSY, viralizou, chegando a um bilhão de visualizações e liderando as paradas em mais de 30 países.
Atualmente, outros artistas de K-pop fazem hits mundo à fora. Vale destacar, por exemplo, a boyband BTS que bate recorde atrás de recorde, e o girlgroup BLACKPINK, que já gravou com Dua Lipa e se apresentou no Coachella.
A fórmula do sucesso
O K-POP bebe bastante na fonte do bubblegum pop, subgênero do pop, com um som festivo e letras bobinhas, criado e comercializado em escala industrial entre os anos 60 e 70, com o objetivo de atingir o público adolescente.
Assim como o K-POP, o gênero era predominantemente um fenômeno de singles, em vez de álbuns completos. Como muitos artistas eram fabricados por gravadoras e programas de TV, então, no estúdio usava-se músicos de sessão. Dessa forma, um grande número de canções de bubblegum foram one-hit wonders. The Archies, The Banana Splits, The Monkees, Bobby Sherman e Josie and the Pussycats foram alguns dos nomes mais importantes do gênero.
Com vídeos super coloridos, coreografias sincronizadas e letras que misturam o coreano, inglês e, eventualmente, espanhol, o K-POP é cheio de influências de outros ritmos, sempre integrados às produções do pop ocidental, a fórmula certa para agradar ouvintes de diversas partes do mundo.
Passando por um treinamento rigoroso (e muito questionável), os jovens que desejam fazer parte de um grupo de K-POP vivem anos como trainees, aprendendo a cantar e dançar dentro das agências, até ganharem a oportunidade de debutar em um grupo ou como artista solo (o que nem sempre acontece). Atualmente, cinco empresas detêm as maiores fatias mercado: CJ E&M, JYP Entertainment, YG Entertainment, SM Entertainment e Big Hit Entertainment.
Lembra que falei que as críticas ao gênero me incomodavam? Vamos falar delas agora.
Lembrando que tudo que eu comentar por aqui, se baseia em postagens e comentários de brasileiros.
A indústria do K-pop é tóxica e os artistas são fabricados
Se você pesquisar sobre os treinamentos dos idols (como os artistas de K-POP são chamados), é coisa de filme de terror. São inúmeras regras, com as empresas sendo super abusivas, controlando tudo que a pessoa faz, diz, veste ou come. Embora, como em tudo, há empresas consideradas piores nesse quesito do que outras, ou seja, o tratamento dado aos trainees pode variar de uma para outra.
Não são raros relatos de gente que literalmente passou fome para perder peso por exigência da empresa, e, em alguns casos, desenvolveu distúrbios alimentares como anorexia e bulimia. Também é comum a empresa pagar por cirurgias plásticas, para que os jovens se encaixe a um ou outro padrão de beleza. Denúncias de assédio sexual também já pipocaram em escândalos. Quem manjar de inglês, pode assistir ao canal da Grazy Grace, cantora que já foi trainee, mas hoje é artista independente, fez alguns vídeos falando de sua experiência, pontos positivos e negativos.
Culturalmente, a Coreia tem uma visão de que o idol deve ser alguém que pareça uma irmã/irmão ou namorado(a) para o fã. Como resultado disso, além da pouca durabilidade da carreira da grande maioria dos artistas, outra consequência é o conjunto bizarro de regras de comportamento.
Um caso que achei bem tosco e exemplifica o modo canalha das empresas agirem é o da cantora HyunA. A moça é uma das maiores estrelas da Coreia do Sul, com carreira consolidada, como artista solo e também participando de alguns grupos. Ainda assim, HyunA foi demitida pela empresa Cube Entertainment. Motivo? Seu namoro com outro idol, E’Down, chegou ao conhecimento da empresa, que expulsou a ambos, já que namorar é contra as regras. Junto com outro cantor, Hui, eles formavam o Triple H. O casal assinou com a P-Nation, empresa criada por PSY nesse ano. Pelo menos agora, o casal não precisa mais esconder o relacionamento.
Sendo gerida como uma linha de produção industrial pela empresas, é de se imaginar que foco principal não é a qualidade artística dos grupos ou a individualidade. As empresas recrutam gente muito jovem, treinam e lançam quem se destaca por alguma razão (que pode ser a voz, a aparência ou a atitude), descartando os demais. Obviamente, isso não quer dizer que não há idols que realmente sabem cantar.
Em resumo a indústria da música coreana é asquerosa. Mas, lembrando de histórias de artistas como Britney Spears, Kesha, Pussycat Dolls, Demi Lovato, entre outras, a indústria ocidental é tão diferente assim? Exploração, assédio moral e sexual também não são raros. Assim como o uso de playback em shows, além de que poucos artistas compõem suas próprias músicas. O que eu acho que acontece é que certos comportamentos na Coreia são normalizados, a ponto da empresa não vê problema em chegar ao público (caso das cirurgias plásticas e das dietas malucas, mas não do assédio sexual, isso lá também é às escondidas). Enquanto, no ocidente as coisas ficam mais por baixo dos panos.
E, em todo caso, seja no oriente, seja no ocidente, o fã gosta pelo artista não por gravadoras ou empresários. Claro, você não precisa negar a existência dos problemas, mas eu duvido que alguém deixe de ouvir um cantor ou banda porque a gravadora fez alguma merda.
Os fãs são insuportáveis
Muita gente critica o gênero, alegando que os fãs o torna insuportável, já que os Kpoppers seriam monotemáticos e não toleram críticas. Verdade. Entretanto, essas características são exclusivas do kpopper? A verdade é que o fã fanático por seja lá o que for que ele goste, é sempre insuportável. Vocês sabem, aqueles que jogam o nome da parada na busca do twitter e respondem a críticas de estranhos de forma agressiva. Já vi fã de cantora pop assim, de banda de rock também, de ator, da Marvel, da DC, de time de futebol e até de político. Um pé no saco.
Para mim, essa visão de que os Kpopper são especialmente irritantes, nada mais é do fato de que praticamente tudo que é associado a um público feminino e adolescente é tido como algo de péssima qualidade, coisa de menininha histérica, e engaja um ódio desmedido.
Por exemplo, Crepúsculo, que, sim, acho bem ruim, mas nem de longe justifica o ódio que a galera investe contra o elenco, de forma que até hoje, uns 10 anos depois, ainda vejo gente dizendo que Kirsten Stewart e Robert Pattinson são os piores atores do mundo. Enquanto isso, outras coisas de gosto igualmente duvidoso, mas voltado mais para o público masculino ou menos adolescente, como Transformers, não recebem toda essa atenção negativa.
Nesse contexto, eu enxergo uma disputa entre gerações. É muito comum ver uma galera na casa dos 30 reclamando dos fãs adolescentes, como se seu gosto fosse algo superior. Quando leio comentários do tipo, não dá para evitar o julgamento, principalmente quando é de pessoas que eu já acompanho nas redes sociais, e sei que estava a pouco empolgada com revival de Backstreet Boys, Spice Girls e Sandy & Júnior ou que ama/amava as bandas de emocore.
A Coréia é racista e o fã de kpopper também
A Coréia do Sul é um país com um racismo bastante entranhado.Grande parte disso vem da ideia de que coreanos são uma “raça pura”, ou seja, sem miscigenação.
Por exemplo, na Coreia o blackface, coisa que no ocidente já é amplamente repudiada, por lá ainda é meio que tolerado. Além disso, dentro dos padrões de beleza de lá, quanto mais branco o tom de pele, melhor.
E ainda temos a xenofobia. Um caso mais recente, é dos ataques a uma das integrantes do BLACKPINK, Lisa, por ser tailandesa. Uma galera coreana diz que a menina é \”feia\”, por conta disso. Aliás, se você jogar na web, vai encontrar vídeos e posts em blogs e fóruns que afirmam que ela só é bonita, graças à maquiagem.
Dentro desse contexto racista, alguns idols perpetuam e reproduzem essas ideias, além de se apropriarem de forma desrespeitosa de elementos da cultura afro, como se fosse uma fantasia divertida (confira algumas bostas aqui).
Apesar das boybands coreanas fugirem de alguns estereótipos hetero-normativos ocidentais (visuais andrógenos e cabelos coloridos, por exemplo, são trendig), não se enganem: Machismo e homofobia também não são incomuns.
Quanto aos fãs brasileiros, nosso país também é racista, então, infelizmente já vi mais de uma vez avatarzinhos com imagens de artistas de K-pop soltando algum comentário podre, especialmente quando o objetivo é atacar artistas negros ou de ascendência latina. Não muito diferente dos perfis homem-mais-de-trinta-branco-óculos-escuros-fã-de-metal.
Como qualquer pessoa sensata deveria pensar, eu também acho que qualquer manifestação de racismo ou preconceito deve ser exposta e rechaçada. Meu problema com usar isso para criticar o K-POP como um todo e aos fãs de forma generalizada, pois racismo não é exclusividade do gênero. Quantas merda artistas ocidentais já falaram? E certas cantoras que gostam de usar maquiagem em tom mais escuro que a pele, para parecerem mestiças/negras quando convém?
Os artistas são todos iguais
Esse é o pior argumento para mim. Os demais argumentos são reais e muito válidos. O único problema é que se transformam em uma atitude hipócrita, quando você, mesmo com os mesmos problemas, continua consumindo artistas pops ocidentais de grandes gravadoras ou filmes de grandes estúdios hollywoodianos.
Agora, “coreano é tudo igual”, não tem desculpa, é racismo/xenofobia mesmo.
Falar isso sobre a sonoridade já seria forçar a barra, pois, assim como o pop ocidental, há fórmulas e muitas músicas são produzidas de forma similar, mas se você se der ao trabalho de realmente escutar os artistas, vai perceber que há sim diferenciais, da mesma forma que Dua Lipa não soa igual a Charli XCX, que não se parece com Ariana Grande, que por sua vez é bem diferente da Taylor Swift.
O mesmo acontece com o K-POP. Ouvindo por alto pode soar tudo meio igual, por conta das fórmulas (inclusive eles realmente amam os formatos boyband e girlgroup), e sim, muita coisa é genérica mesmo (tal qual o pop ocidental). Mas, se você der uma chance, vai perceber que existe aspectos individuais de cada artista.
Eu, como falei antes, não sou especialista em K-POP, só recentemente ouvi alguns artistas (para conferir analises de músicas e carreira dos idols, confira canais especializados, como Namekusei Vai Explodir!, Felipe Caires e Miuuky). Mas, vou dar um exemplo. Ouvi alguns girlgroups e o BLACKPINK se destacou para meus ouvidos, por 3 motivos: 1. a atitude das meninas é mais girl power, sem tanto esforço para serem fofinhas, como me pareceu o caso dos outros grupos que ouvi; 2. os versos das músicas são melhor divididos entre as integrantes, de forma que todas recebem mais ou menos o mesmo espaço (coisa que não é comum nem nos grupos ocidentais); 3. os timbres das meninas são bem diferentes entre si, dando para perceber quem está cantando em cada trecho.
Porém, o pior é que em grande parte das vezes, esse “igual” das críticas nem é apontado em relação a sonoridade, mas a aparência mesmo. Inclusive fico bem chateada quando vejo gente que eu sigo, e que costuma criticar racismo, machismo e afins, reproduzir “piadas” que reforçam essa ideia de que “oriental é tudo igual”, tudo porque kkkkkkk vamo zuar o kpopper. Me lembra da época do sucesso dos tokusatsus aqui no Brasil, que quem não curtia, dizia que não conseguia diferenciar os atores. Racismo puro.
Enfim, caso não tenha ficado claro, tudo bem não gostar de K-POP. Ninguém deve se sentir obrigado a gostar de coisa nenhuma. Além disso, você pode e DEVE detestar as empresas que controlam o gênero e exploram os artistas, assim como criticar quando algum desses artistas se comportarem de forma racista, machista ou homofóbica.
O que me incomoda é o uso desses problemas reais como camuflagem, quando os reais motivos é o fato de ser um fenômeno juvenil (e oriental). Mais ou menos o que ocorre com o funk, sendo que soma-se o racismo contra o negro e o elitismo. Há problemas nesses gêneros, mas eles são usados em ataques por pessoas que fazem vista-grossa para esses MESMOS problemas em outros gêneros.
Então, galera, vamos denunciar/rechaçar preconceitos SEMPRE, não só para implicar com adolescente
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