Review – Fahrenheit 451

Fahrenheit 451

Diretor: Ramin Bahrani

Elenco: Michael B. Jordan , Michael Shannon e Sofia Boutella.

EUA, 2018

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TEM SPOILERS E UM MONTE DE COMPARAÇÕES COM O LIVRO E O FILME DO TRUFFAUT, ÓBVIO

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Fahrenheit 451, clássico romance de Ficção Cientifica de Ray Bradbury, já foi adaptado para o cinema por François Truffaut em 1966. Eu gosto muito mesmo do filme do Truffaut, que é bastante fiel ao livro, e não esperava que esta nova versão fosse superior ou mesmo se equiparasse a este. Porém, sendo uma adaptação produzida pela HBO e que teve seu lançamento em Cannes, esperava que fosse um filme  minimamente interessante. Me enganei. Na verdade, fiquei me perguntando como tiveram coragem de lançar esse filme na França, terra de Truffaut, já que ele está mais para Equilibrium (2002) do que o longa-metragem com Oskar Werner e Julie Christie. E algo que remete a Equilibrium não pode ser bom.

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No novo Fahrenheit 451, Michael B. Jordan interpreta Guy Montag, um bombeiro em uma sociedade distópica, onde a arte, e especialmente a literatura, foi proibida. Nessa sociedade, o corpo de bombeiros não apaga fogo algum, sua função é queimar livros. Em uma das operações, Monteg assiste a uma idosa por fogo ao próprio corpo em defesa de seus livros, o que desperta sua curiosidade sobre o material que ele é pago para incendiar. Essa curiosidade o leva a surrupiar e ler um dos livros que deveria destruir. E pow. Ele é atingido e iluminado pela literatura e acaba se envolvendo com rebeldes que formam uma resistência em prol dos livros.

Dirigido e roteirizado Ramin Bahrani, do bom 99 Casas, Fahrenheit 451 comete uma série de simplificações imperdoáveis em relação ao material original, que acaba por esvaziá-lo de significado. Comecemos por Montag. Tanto no romance quanto no filme de Truffaut, o despertar do protagonista é um processo. Ele é um funcionário público comum, mas que já demonstrava incomodo com o comportamento distante das pessoas ao seu redor, embora não soubesse exatamente o que provocava esse incomodo. Os acontecimentos seguintes vão gradativamente o transformando. Já aqui ele é um bombeiro estrelinha da corporação, que basta ler algumas poucas linhas de  um livro para mudar.

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Outra que sofre com as bizarras simplificações do filme é Clarisse, reduzida a interesse amoroso, relacionamento que não existe nem no filme e muito menos no romance (ela é uma adolescente por lá!). No material anterior, a personagem toma a iniciativa de puxar conversa por Montag, alegando que ele \”nem parece bombeiro\”, pois é o único que responde suas numerosas perguntas e não a trata como doída. O jeito espontâneo de Clarisse e seus questionamentos (como, por exemplo, perguntar se o bombeiro nunca quis saber o que dizem os livros que queima) são responsáveis por instigar Montag. Aqui o papel que Sofia  Boutella recebe  é oco, uma moça criada entre a resistência que é forçada a se transformar em informante do governo. Um mero link entre Monteg e os rebeldes.

Mais um erro do filme é apagar a esposa do bombeiro da história. Através de Mildred (Linda, no filme de 1966), nós eramos apresentados ao modo de vida na distopia: o vício em remédios, o comportamento apático, os esquecimentos, a necessidade de assistir à \”família\” (um misto de novela e publicidade, totalmente robótico, frívolo  e sem vida) a todo o tempo. O resultado é que este universo fica extremamente mal caracterizado. Nós vemos coisas como telões gigantes que exibem os incêndios dos bombeiros como grandes eventos (ao passo que no livro era algo rotineiro e que acontecia poucas vezes, já que haviam sobrado poucos exemplares) ou pessoas nas ruas com visores tecnológicos mas não sabemos o que eles assistem. Enfim, \”como vivem? o que fazem? do que se alimentam?\”. Teremos que esperar o Globo Repórter para ter alguma resposta.

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O filme segue então sendo uma sucessão de clichês e superficialidades, que chegam a deturpar as ideias da obra original.  Ao invés de um cara comum, vivendo uma vidinha tediosa, que percebe que há algo de muito errado a sua volta, Montag vira um mártir salvador com uma história triste de passado que o liga ao Capitão Beatty (Michael Sannon), por sua vez, transformado em vilãozão psicopata.

Aliás, é curioso como uma das coisas mais marcantes no livro e no filme de Truffaut, a apatia, se perde totalmente. Destruir a literatura era mais uma forma de fazer com que as pessoas não expressem emoções ou uma identidade própria, da mesma maneira que coibir cabelos longos em rapazes ou alpendres nas portas das casas para desestimular conversas entre vizinhos. Na nova versão, no entanto, acredito que esteja mais para uma sociedade de piromaníacos, pois emoção até que eles sentem, já que o povo se reúne com ódio no olhar para verem livros queimarem e xingarem os rebeldes capturados.

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Talvez querendo inserir elementos, digamos, mais tecnológicos e ainda dar um pouco de esperança, já que o material original é bastante pé-no-chão, essa nova versão toma mais uma ridícula decisão: mudar o  final. Ao escapar da policia, Montag encontrava abrigo entre os homens-livros, pessoas que escolheram se afastar daquela sociedade e decoravam romances e poemas tentando preservar um pouco da cultura. Eles os decoram para não precisarem manter consigo exemplares e, assim, evitavam infringir a lei.

No novo filme, os homens-livros são rebeldes que planejam uma revolução: eles possuem uma tecnologia (uau) que coloca todos os livros já publicados (nossa!) no DNA de um pássaro (caramba!); uma vez solto na natureza, esse pássaro irá \”transmitir\” o conhecimento para outros animais e, então, chegar às pessoas (caracoles!). Não me pergunte como, eu não consegui entender nada dessa merda de plano. A questão que fica é: por que raios os rebeldes decoram livros, se possuem essa tecnologia e ainda mantem milhares de livros guardados em sua fazenda? Já ia me esquecendo: os rebeldes também tem um garoto que decorou tudo quanto é livro (esse tomava fosfosol, só pode) e eles mantém o moleque junto com o pássaro. Gênios!

Além do roteiro patético, a parte visual do filme também é bem desinteressante. Na verdade, o design de produção parece uma colagem de coisas que já vimos em outros filmes (melhores), como os aranha-céus com telas gigantes de Blade Runner e as telas touch à lá Minority Report. Por fim, com personagens empobrecidos, ninguém do elenco consegue se destacar.

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