Fé Corrompida
First Reformed
Direção: Paul Schrader
Elenco: Ethan Hawke, Amanda Seyfried, Cedric the Entertainer, Philip Ettinger e Michael Gaston
EUA, 2018
Dentro da concepção nietzschiana, o niilismo é a negação ou declínio de crenças e convicções, assim como seus respectivos valores morais ou políticos, que orientam o modo de vida de uma pessoa ou grupo de pessoas.
First Reformed (que aqui ganhou o título com julgamento moral, Fé Corrompida) é o filme mais recente do diretor e roteirista Paul Schrader. a história acompanha o ex-militar e atualmente pastor responsável pela Primeira Igreja Reformada, Toller (Ethan Hawke), a partir do momento em que este decide manter um diário, onde coloca acontecimentos e dúvidas sob análise.
Toller não era religioso até a perda do filho, a quem ele encorajou o espírito patriótico e a se alistar nas forças armadas. No momento, o pastor é diagnosticado com câncer e também tem o desafio de lidar com o casal Mary (Amanda Seyfried) e Michael (Philip Ettinger). A jovem paroquiana pede ajuda ao religioso, pois está muito preocupada com o marido, que é um ambientalista radical.
Então, Toller já se encontra em descrença quanto ao patriotismo e a ciência. O curioso é que sua descrença para com a religião não se consolida através de algo que o envolva diretamente, mas a partir da desesperança do ativista ambiental. A falta de fé de Michael na possibilidade de redenção da civilização, que coloca seu “progresso” acima da natureza e da vida do próprio planeta, é o estopim. É possível perceber no olhar do pastor, mesmo ao tentar explicar sua religião, quando o ambientalista fala de suas opiniões, um certo ar de “sei como você se sente”.
A partir desse questionamento o filme analisa, sem maniqueísmos ou didatismos, a fé ensinada na igreja. Em determinado momento, o reverendo participa de uma reunião com jovens, ali vemos um retrato do EUA que elegeu Trump e também o foco materialista algumas igrejas, do êxito financeiro como premiação para o “bom cristão”. Os jovens se mostram frustrados e/ou revoltados, pois mesmo indo a igreja continuam com problemas financeiros e acabam vendo nos imigrantes a causa da falta de empregos. E, aliás, é impressionante o modo como Ethan Hawke consegue, nesse e em outros momentos, em atuação comedida, mostrar todo o cansaço do pastor, já sem muito animo para debater e provar sua fé aos demais.
Ao levar suas inquietações sobre o meio ambiente e quanto a falta de posicionamento da igreja ao líder de sua congregação, Reverendo Jeffers (Cedric the Entertainer), percebe que o religioso relativiza questões como o aquecimento global, isso porque a entidade tem como bem-feitor, o industrial Ed Balq (Michael Gaston). O fato do filme culminar em uma missa que tem o objetivo de exaltar o empresário é chave para perceber essa crítica.
Como um contraponto a desesperança e cinismo que cresce no protagonista, temos Mary, em riquíssima interpretação de Seyfried; a personagem, grávida (e que não por acaso possui nome bíblico), é o ultimo vinculo do pastor com sua espiritualidade, embora essa espiritualidade não tenha propriamente uma conexão com a fé da igreja.
No entanto, não há no filme um momento de redenção, em que as dúvidas solucionadas. De forma lenta e crua, First Reformed traça uma reflexão sobre o papel da igreja na sociedade contemporânea e como fé e religião podem não significar a mesma coisa. Sem nenhuma intensão de chegar a uma conclusão sobre o assunto, deixa o questionamento aos cristãos: matar ou deixar que matem o planeta é ir contra os mandamentos cristãos? Haverá perdão divino para espiar os pecados praticados contra a natureza?
Por fim, vale ressaltar alguns detalhes da fotografia e cenários. A iluminação é bastante natural, as cores claras e frias, e cenários, como a casa de Toller e a sede da congregação, são amplos e praticamente vazios, uma forma de representar visualmente as reflexões sobre uma religião esvaziada de significado.