Review: Vampyros Lesbos (1970)

Vampyros Lesbos

Direção: Jess ( Jesús) Franco
Elenco: Soledad Miranda, Ewa Stromberg, Dennis Price, Heidrum Kussin, Paul Muller, Andrés Monales, Michael Berling, Jose Martinez Blanco
Alemanha, Espanha, 1970


A condessa Nadine Carody é a típica vampira que provavelmente leva qualquer homem hétero a dizer aquela frase clichê, que ela poderia morder seu pescoço a hora que quisesse. Acontece que, como o titulo do filme já deixa bem claro, Nadine se interessa somente por meninas. Ela é a mordedora de pescoços protagonista de Vampiros Lesbos, o filme mais cultuado do diretor espanhol Jess Franco (que aqui assina com seu sobrenome, Franco Manera).

Vampiras lésbicas não chegavam bem a ser uma grande novidade em 1970. Muito antes, em 1872, foi publicado o livro Carmilla, de Sheridan Le Fanu, que apresentava a primeira vampira lésbica. Na sétima arte, estreava em 1960 o filme francês Rosas de Sangue. Dirigido por Roger Vadim (Barbarella), a produção é levemente inspirada em Carmilla e é considerada o primeiro filme com vampiras que preferem morder moças. No mesmíssimo ano de 1970 de Vampyros Lesbos, a famosa produtora inglesa Hammer (dos filmes do Drácula, com Christopher Lee) lançou a sua adaptação do livro, Carmilla, a Vampira de Karstein (com a belíssima Ingrid Pitt no papel da protagonista Mircalla Karstein).


Mas talvez nada desse subgênero vampiresco tenha conseguido até aquele momento ser tão estranho e hipnótico quanto Vampyros Lesbos, que iniciava uma fase mais psicodélica de Franco e era bem menos pudico que os filmes de vampiros feitos até então. Dono de uma extensa filmografia com mais de duzentos filmes (muitos assinados com pseudônimos), o período mais criativo de Franco foi entre os anos 60 e a primeira metade dos anos 70.

Vampyros Lesbos foi realizado logo após o fim de uma parceria com o produtor inglês Harry Alan Towers, com quem Franco chegou a realizar uma nova adaptação de Drácula, com o próprio Christopher Lee no papel, que é um pouco mais fiel que a franquia da Hammer. O diretor voltava então aos filmes barateiros (não que Conde Drácula, filmado em 1969 e lançado também em 1970, possa ser realmente considerada alguma superprodução), apostando em uma mistura de horror e erotismo com muito experimentalismo. Por conta dessas obras, sempre com um dos pés no chamado “cinema de arte” e outro no trash, Franco cativou vários fãs, seu cinema acabou batizado de “horrótico” e passou a ser denominado de pai do Eurotrash.


A trama de Vampyros Lesbos começa em clube privê em Istambul, onde Nadine faz números de dança erótica com outras garotas. As moças terão seus pescoços mordidos por ela ao final da apresentação, sem que a plateia perceba o que ocorreu (o que me lembrou um pouco o espetáculo de vaudeville em Entrevista com o Vampiro). Nessa plateia se encontra a advogada Linda (uma mistura de Jonathan Harker e Mina Murray, interpretada pela louraça Stromberg) e seu namorado, Omar. Já enfeitiçada pela misteriosa mulher, Linda viaja para tratar de negócios com a Condessa.

Embora tenha fortes referências do clássico Drácula de Bram Stoker, essa co-produção de Espanha e Alemanha, rodada na Turquia, se destaca mesmo pela sua estética, belas locações e a maneira criativa com que Franco retrata o vampirismo, que já se encontrava desgastado pela série de filmes ingleses. Várias regras são subvertidas.


A condessa mora numa ilha paradisíaca e ensolarada em vez de habitar um castelo sinistro na Transilvânia. Ela não se transforma em cinzas (e nem brilha) quando exposta ao sol, podendo curtir uma praia de boas com seu biquíni. Estacas no coração também não tem vez e os personagens masculinos passam longe de figuras heroicas como o Van Helsing de Peter Cushing, sendo apenas patéticos boa parte do tempo. O filme também não tem cena alguma rodada a noite e sequer um esperado clima de horror, prezando mais pela estranheza.

Mas a verdade é que o amante de roteiro provavelmente não vai curtir Vampyros Lesbos. Diálogos são quase inexistentes e não dizem muito quando existem. São até bem desnecessárias as tentativas de explicar a coisa toda, ligando a origem da condessa ao famoso Drácula em certa altura do filme. Vampyros Lesbos poderia até ser mudo, apenas com trilha sonora, pois sua força está nas imagens (e não estou falando apenas das cenas em que a mulherada tira a roupa).


Franco é considerado um diretor medíocre por alguns e talentoso por outros. Apesar de achar Conde Drácula bem fraquinho, porém charmoso, e La Mansión de los Muertos Vivientes uma das coisas mais pavorosas que já assisti, afirmo que ele acerta mais do que erra em Vampyros. Certo que alguns elementos na narrativa poderiam ter sido melhor explorados e outros, como o marido psicopata de uma das presas da vampira, poderiam ter sido deixados de lado, mas nada que atrapalhe a atmosfera singular e delirante do longa.

A fotografia é interessante, extrapolando no vermelho como nos filmes italianos de Mario Bava. Até a conhecida obsessão por closes ou as falhas de foco, comuns na obra de Jess e sempre criticadas por seus detratores, pouco aparecem aqui e estão bem empregadas quando usadas, amplificando o clima de devaneio. Apenas a insistência com simbolismos meio manjados cansa um pouco. Eu entendi o lance do escorpião e da mariposa na rede, Jess. Não precisava repetir tanto…

Um dos maiores destaques do filme é certamente a excelente trilha sonora dos alemães Manfred Hubler e Siegfried Scwab. Psicodélica ao extremo, ela conduz magistralmente o filme e seu pop rock da época aliado a efeitos eletrônicos casa muito bem com a direção de arte e todo o clima onírico de Vampyros. É um belo exemplar de como uma trilha ajuda a carregar um filme, e continua moderninha até hoje. O que é Soledad Miranda performando ao som de The Lions and the Cucumber, que Quentin Tarantino também colocou na trilha de Jackie Brown? E já que falei em Soledad…


Soledad Miranda é o outro grande destaque do filme. Nascida em Sevilha, essa filha de portugueses de etnia cigana apareceu em cerca de 30 filmes entre 1960 e 1970. Depois de pequenos papeis como a prostituta de 100 Rifles (com Jim Brown, Burt Reynolds e Raquel Welch) e de vitima de Christopher Lee no Conde Drácula de Franco, ganhou o papel principal em Vampyros. Nele ela usou o nome artístico de Susann Korda, dado pelo próprio Franco.

Soledad estava bem longe de ser uma ótima atriz, mas tinha uma presença magnética, um olhar poderoso e beleza e sensualidade ímpares. Impossível desviar os olhos da tela quando ela está em cena, seja nas cenas mais quentes ou mesmo no monólogo onde conta suas origens, de forma apaixonantemente melancólica. Para um sexploitation, a atuação de Soledad está boa demais e bem superior a de sua colega Ewa, que não me convenceu muito como a amante fascinada por Nadine.

Vampyros Lesbos estreou com sucesso em Berlim e Soledad se tornaria musa, mas infelizmente ela foi uma daquelas pessoas que partiram cedo demais, exatamente quando pareciam que iam atingir o auge. Algumas semanas depois do lançamento, ela morreu em um acidente automobilístico, deixando dois filmes prontos e um sem terminar. Tinha apenas 27 anos.

Coloco Vampyros facilmente num top 10 de filmes vampíricos favoritos. Gosto muito de filmes que não retratam o vampiro como mal absoluto e enveredam por uma narrativa mais romântica. Também coloco Soledad ali no topo do ranking de vampiros mais atraentes do cinema, com nomes como Catherine Deneuve, Ingrid Pitt e Tom Cruise vindo logo abaixo.

4.0/5.0

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MARC TINOCO

Cinema, música, tokusatsu e assuntos aleatórios não necessariamente nessa ordem. 


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