Guest post por Luciene de Lara e Luci B. Serricchio
A discussão sobre a leitura dos clássicos pelos estudantes é um assunto que volta a toda hora. Por que certas pessoas precisam responsabilizar nossos grandes escritores, como se eles fossem os culpados? A maior vítima é Machado de Assis – verdadeiro ícone dos negativistas.
O tema apareceu ultimamente em uma das redes sociais e mais uma vez as opiniões se dividiram. Sem a pretensão de esgotar o assunto, vamos pensar um pouquinho sobre isso. O que é um clássico? Macunaíma é um clássico? E O apanhador no campo de centeio? E Quarup? E Harry Potter? E Alice? E A hora da estrela?
É uma tarefa difícil definir esse conceito. Podemos entender um clássico como uma obra relativa ao movimento literário que se desenvolveu no Renascimento, durante o século XVI, ou como uma “obra prima” de alto nível literário, ou algo que permanece ao longo do tempo, ou ainda como uma obra que vem fascinando leitores.
Independentemente da época, há de ser uma obra que reflita valores de um tempo e que tenha caráter universal. Acima de tudo, que seja uma obra que traga histórias que envolvam, emocionem, que traga ao leitor o conhecimento de si próprio e do outro, que o faça “viajar”.
Portanto o problema não está nem nos autores, nem na palavra clássico. A leitura é mais um dos problemas da educação. Desde que a leitura literária entrou para a escola, o livro tornou-se objeto de rejeição. Se está na sala de aula como algo obrigatório, não estará formando leitores, seja com um conto de fadas, seja com Machado de Assis.
Em tese, o gosto pela leitura deveria ser criado em casa, mas em um país de “não leitores”, a escola assume esse papel, muitas vezes de forma compulsória. No entanto, é possível criar, nesse ambiente, leitores curiosos, proficientes e que tenham prazer no ato de ler. Basta que o professor seja, em primeiro lugar, ele mesmo, um bom leitor; basta que saiba selecionar as obras adequadas e motivadoras desde a mais tenra infância até a adolescência; basta que não limite o livro a avaliações sem sentido; basta que trabalhe outros meios que dialoguem com o livro em questão. Pois é justamente aí que se reconhece um clássico: no diálogo que ele mantém com nosso mundo, com nosso tempo, conosco, apesar de ter sido escrito há muitos anos.
Ler um clássico é essencial, mas é algo que se prepara ao longo da formação de alunos leitores. Se houver o desenvolvimento de leituras de forma gradativa, seja quanto à motivação, seja quanto a literalidade, quando o chamado clássico chegar à mão dos adolescentes, ele não será um peso, algo incompreensível e tedioso.
Ninguém espera que um aluno de 12 anos entenda Machado, Guimarães Rosa e Linspector em toda amplitude e complexidade. São autores que exigem uma abstração, um amadurecimento e uma percepção de mundo que os alunos só passam a ter no Ensino Médio e, mesmo assim, alguns precisam de ajuda. Mas é justamente aí que entra o papel do professor, como mediador entre um livro que exige do seu leitor um nível de leitura mais aprofundado.
Não se está falando aqui em adaptar um clássico através da simplificação do enredo e do uso de uma linguagem mais “acessível e adequada”; isso é retirar do livro o que ele tem de mais precioso: seu texto, sua escrita, marca da personalidade e estilo do autor.
Então, não há solução? Há sim. Somos educadores e sempre encontramos soluções. Ela vai variar para cada obra, para cada aluno, para cada escola. Mas é possível ajudar os jovens a lerem os clássicos: algumas vezes, lendo em voz alta trechos da obra, ou relacionando-a com outros textos, músicas, filmes; outras discutindo com os alunos o contexto em que foi produzida, ou a biografia do autor (quem não se encanta com as poesias de Gregório de Matos ao saber um pouco de sua vida barroca de exageros, irreverência e oposições); não há uma receita mágica, não há uma receita única.
O que há é a necessidade de se ler os clássicos, sempre, por serem obras que nos compõem enquanto indivíduo e enquanto espécie humana. São obras de arte que nos modificam, mesmo se a princípio não a entendemos por completo. Elas ajudaram a formar o mundo em que vivemos hoje e nos auxiliam a entendê-lo melhor. Às vezes, até a entendermos quem somos.