Cinquenta Tons de Cinza
Fifty Shades of Grey
Direção: Sam Taylor-Johnson
Elenco: Dakota Johnson, Jamie Dornan, Marcia Gay Harden, Rita Ora
EUA, 2015
Best-seller de grande sucesso da autora E.L. James, se torna grande sucesso também de bilheteria, nessa adaptação conduzida por Sam Taylor-Johnson. Cinquenta Tons de Cinza era originalmente uma fanfic da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Para quem não sabe, fanfics são histórias escritas por fãs de um determinado livro, série ou filme, utilizando personagens dos mesmos. Cinquenta Tons de Cinza, o primeiro de três livros (os outros são Cinquenta Tons Mais Escuros e Cinquenta Tons de Liberdade), deixa bem óbvia sua fonte de inspiração, já que são muitas as semelhanças com o romance de Meyer.
Assim como a Bella, Anastasia Steele (Dakota Johnson) é uma jovem extremamente insegura, tímida e com baixa autoestima. Prestando um favor a amiga estudante de jornalismo, que se encontra doente, ela vai entrevistar o empresário ricaço, Christian Gray (Jamie Dornan) e, obviamente, se apaixona. Gray também não difere muito do vampiro Edward. Ele é misterioso, autoritário e apresenta um mundo novo a Ana, só que dessa vez, não se trata de vampiros, mas de dinheiro e, mais tarde, o universo do sadomasoquismo. Além disso, ele também é um stalker; a rejeita, manda-a se afastar, dizendo não querer feri-la, mas a segue, entra em sua casa sem permissão, se mostra ciumento diante de qualquer homem que se aproxima dela e, claro, ama pronomes possessivos e tem atitudes bastante duvidosas, como levar a moça bêbada de um bar, onde ela se encontra acompanhada de um grupo de amigos, para um quarto de hotel, onde a despe. Outra semelhança é o amigo de minoria étnica que, tal qual o Jacob de Crepúsculo, confessa estar apaixonado por Ana.
Tão grande quanto o sucesso é a quantidade de críticas que Cinquenta Tons de Cinza recebeu. Algumas dessas críticas são um tanto puritanas, reclamam por ser uma obra que trata de sexo e é lida por adolescentes. Outras criticas afirmam que, por glamorizar as práticas BDSM, pode estar incentivando a violência doméstica. Discordo. Acredito que os problemas de Cinquenta Tons são outros.
Falar de sexo e ser lido por adolescentes não tem nada de mais, afinal, parte dos adolescentes já fazem sexo e muito dos problemas atuais e até o forte interesse por Cinquenta Tons de Cinza, vem exatamente do puritanismo e repressão sexual de nossa sociedade, que se recusa a debater sexo de uma maneira ampla e clara.
Quanto a incentivar a violência domestica, não acredito que um filme ou livro possa, por si só, gerar esse tipo de efeito, da mesma forma que videogames violentos, por si só, não geram assassinos. O problema de Cinquenta Tons de Cinza está em reproduzir e endossar uma velha fantasia machista, a da virgem submissa, que realiza todos os desejos e ainda cozinha na manhã seguinte, para ainda alimentar outra velha fantasia, de mulheres românticas, a de conseguir mudar um homem perturbado, com a força de seu amor; tanto que trama deixa indicações do passado triste de Gray: sua mãe (Marcia Gay Harden) é adotiva, a verdadeira era uma viciada em crack, ele tem várias cicatrizes pelo corpo e há menções a mulher que o apresentou ao BDSM, quando ele ainda era adolescente, uma forma lugar-comum de justificar a maneira com que ele se relaciona com Ana.
Quem defende o livro e o filme costuma dizer que o material não é machista, pois todas as práticas sadomasoquistas são consensuais. Entretanto, ao menos nessa primeira parte da história, não é o que se percebe. Insegura, Ana se submete a esse tipo de relacionamento apenas porque Christian garante que é o único relacionamento que eles poderiam ter. No fundo, ela também acredita que, ao poucos, pode fazê-lo mudar, não escondendo a alegria, quando ele promete que, de vez em quando, eles poderiam sair como um \”casal normal\”, ir a restaurantes e ao cinema. Dessa forma, ela não gosta realmente de ser sua “submissa”, seu desconforto com a situação é visível. Ela pode até sentir prazer em joguinhos inofensivos, como ser amarrada, vendada e etc, mas não gosta da dor. Tanto que apanhar de cinto, junto com o esmorecimento de sua fé em mudá-lo, a leva a romper com ele. Aliás, o próprio Gray se vê como errado.
Deixando a história de lado, o filme não consegue melhor resultado em outros aspectos. Logo no inicio, ao ir entrevistar Gray em seu escritório, Ana aparece com um rabo de cavalo frouxo, cabelos um tanto arrepiados e uma blusa estampada muito feia, além de tropeçar e cair no chão, no momento que é apresentada ao empresário, sem falar que ela gagueja o tempo todo; uma forma pueril de marcar as diferenças entre a insegura Ana e o dominador Christian.
As tão comentadas cenas de sexo são insossas, sem nenhuma tensão, consistem, basicamente, em Christian vendá-la e amarrar seus pulsos, fechando para os closes nas caras e bocas de Anastesia. Enquanto isso, os diálogos beiram o patético, como quando Gray afirma para Ana: “eu não faço amor, eu fodo com força”. Mais clichê, impossível.
No campo das atuações, Dakota Johnson até tenta, embora o texto não ajude, conferindo um certo ar estabanado e carisma a personagem; já Jamie Dornan parece desconfortável no papel e até um tanto constrangido e o personagem, que deveria ser extremamente sexy e de presença marcante, permanece com o mesmo olhar inexpressivo durante todo o filme, que irrita ao invés de atrair.
Enfim, ainda não consigo entender a popularidade e a polêmica em torno de mais um romance clichê, da menina sem sal apaixonada pelo ricaço distante, com cenas de sexo apáticas.