Eu, Daniel Blake
I, Daniel Blake
Direção: Ken Loach
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Briana Shann, Dylan McKiernan
França/Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, 2016
Ainda em cartaz em alguns lugares do Brasil, “Eu, Daniel Blake”, filme ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2016, mostra que o cinema de cunho social ainda existe. E mais do que ter boas intenções, o filme tem as qualidades cinematográficas que um drama deve ter. O principal responsável por isso, óbvio, é o seu diretor, Ken Loach, cineasta britânico com 80 anos de idade, um especialista nesse viés cinematográfico.
Em “Eu, Daniel Blake”, Blake é um operário já idoso que sofreu recentemente um ataque cardíaco, sua médica o aconselhou a não retornar ao trabalho por enquanto, assim ele tenta receber os benefícios concedidos pelo governo a quem se encontra nessa condição. Porém, existe uma terrível burocracia que vai dificultar que Blake consiga alcançar seus direitos, um problema que afeta centenas de trabalhadores, principalmente os mais pobres. Na sua peregrinação Daniel conhece Katie, uma mãe de duas crianças, que chegou na cidade recentemente e, sozinha, luta para sobreviver e criar seus filhos. Surge uma amizade entre ele e a família, eles passam então a se ajudar.
Loach, assim, através da luta desses personagens faz mais uma crítica ao capitalismo, ao neoliberalismo e também ao Estado, que dificulta o acesso do povo aos direitos adquiridos. O filme se passa em Newcastle, Inglaterra, mas poderia ser em muitos outros lugares. A história tem momentos tocantes de sofrimento e um final, que mesmo que esperado para os mais atentos, causa impacto, de modo tocante e não apelativo. Na seção em que assisti o filme acabou e não se ouvia uma conversa durante os créditos, nem os casais, nem aqueles que já seguiam para fora da sala, impossível não ter empatia pelos personagens se você está atento as mazelas desse mundo.
Loach demonstra mais uma vez a competência para dirigir histórias dramáticas sobre a condição humana na nossa sociedade sem cair no melodrama, da mesma forma que em “Pão e Rosas”, “Terra e Liberdade” e tantos outros. Mérito também das ótimas atuações de todo o elenco, em especial Dave Johns que interpreta o protagonista e Hayley Squires, jovem atriz britânica, que vive Katie.
Johns é um comediante de stand-up com carreira no teatro. Sua interpretação de Daniel Blake é dramática, mas, ao mesmo tempo, traz um senso de humor embutido, uma ironia, que só um experiente ator de comédia poderia colocar sem errar o tom. Squires também não fica atrás em matéria de atuação. Com alguns filmes no currículo e também peças de teatro, o modo contido e sensível que interpreta Katie mesmo sendo uma personagem que poderia cair para a choradeira, o que também teve a ver com a mão do diretor, mostra que ela tem tudo para construir uma bela carreira.
Alguns podem dizer que Loach faz em “Eu, Daniel Blake” o que sempre fez, nada de novo. Pode ser, mas filmes como esse continuam sendo necessários, ainda mais se bem executados. A premiação no Festival de Cannes comprova isso. “Eu, Daniel Blake” foi premiado pelo Juri presidido por George Miller, diretor que revolucionou o cinema de ação e aventura com Mad Max, que aparentemente não tem nada a ver com o cinema realista e comprometido com o social de Loach, só aparentemente, diga-se de passagem.