Review – A Forma da Água

A Forma da Água

The Shape of Water

Direção: Guillermo Del Toro

Elenco: Sally Hawkins , Michael Shannon , Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg e Doug Jones.

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Um dos favoritos ao Oscar de Melhor Diretor, Guillhermo Del Toro é um cara cujo a carreira muito me agrada. O mexicano sempre se vale da fantasia em seus filmes e cria universos que mesclam magia e violência. A Forma da Água não é diferente. O longa-metragem é um encontro entre um conto de fadas e O Monstro da Lagoa Negra. Temos romantismo e ludicidade convergindo com elementos do cinema de horror e até algum sexo.

A princesa que protagoniza A Forma da Água é na verdade uma faxineira muda. Elisa Esposito (Sally Hawkins) vive uma vidinha de rotinas: a manhã inclui banho, sessão de masturbação com tempo marcado no despertador, preparar café da manhã para seu vizinho e melhor amigo Giles (Richard Jenkins), tirar um cochilo no ônibus e passar o dia limpando e ouvindo sua simpática colega de trabalho Zelda (Octavia Spencer), que fala pelas duas.

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Apesar da caracterização da rotina de Elisa, sua solidão, não pensem que a protagonista é uma coitadinha. A personagem de Hawkins é determinada, confiante e positiva. A princesa deste conto não precisa ser  salva, é ela quem resgata seu príncipe.

Elisa trabalha em um laboratório secreto ligado ao governo norte-americano e sua vida muda com a chegada de uma criatura aquática misteriosa (Doug Jones), aprisionada e mantida para estudos. Curiosa e penalizada com a situação do \”monstro\”, que é tratado com  crueldade por Strickland (Michael Shannon), responsável pela segurança do projeto. A faxineira passa, às escondidas, a interagir com a criatura  e consegue estabelecer uma comunicação não-verbal, que se transforma em romance. Quando Strickland consegue convencer seus superiores que a criatura deve ser morta e dissecada, Elisa pede ajuda a Giles para por em prática um plano de resgate.

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Durante o filme, Del Toro e a roteirista Vanessa Taylor traçam um paralelo entre a invisibilidade e segregação em que vivem Elisa e seus amigos (ela é muda, Zelda é negra e Giles é gay) diante de uma sociedade machista, racista e heteronormativa e a criatura marinha. Eles são tão \”aberrações\” quanto o \”monstro\”.  Paralelo sintetizado pelo discurso de Elisa quando tenta convencer Giles a ajudá-la (cena que por si só já valeria a indicação de Sally Hawkins ao Oscar de Melhor Atriz). Enquanto Strickland e outros poderosos enxergam a aparência da  criatura, o que acreditam a tornar diferente dos humanos, Elisa faz o mais difícil, enxerga as semelhanças:

\”O que eu sou? Eu movo minha boca, como ele e não faço som nenhum, como ele; o que isso me torna?\”

Aliás, a figura de Strickland precisa ser destacada. O personagem é unidimensional, mas, graças a atuação de Michael Shannon e também o fato de sua unidimensionalidade ter um propósito na história, ao mesmo tempo ele se torna fascinante. Strickland é uma figura cheia de ódio e frustração, que acredita merecer muito mais do que tem,  que não desejava estar no local a qual seu trabalho o leva e, por isso, desconta na criatura. Casado e com filhos, ele parece viver em um comercial clichê dos anos 50, onde a esposa é tão decorativa quanto seu cadillac novo.

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Através de algumas falas, somos apresentados a todo o seu racismo e machismo. “Isso não é comum no seu povo”, ele diz para Zelda quando ela conta ser filha única; “Fomos criados à imagem do Senhor”, ele diz à mesma faxineira para então completar: “Ele se parece comigo. E com você. Um pouco mais comigo, eu diria”. Em outro momento, ele não exita em compartilhar suas fantasias sexuais com Elisa. Strickland é a representação do mal, mas não o mal das bruxas malvadas dos contos de fada, ele representa tudo de podre em nossa sociedade. Enfim, um personagem que provavelmente você levará menos de dez minutos de filme para passar a odiar e até o final da narrativa vai estar clamando pela morte do desgraçado.

Pensando no filme, outro personagem que se destaca é o cientista vivido por Michael Stuhlbarg, um personagem pequeno até, mas que ganha nuances muito interessantes. Dr. Hoffstetler/ Dimitre é um espião russo, infiltrado para impedir que os americanos tirem algum proveito do estudo do homem-anfíbio. Entretanto, por seu amor a ciência e/ou compadecimento diante do sofrimento da criatura, ajuda em seu resgate. Quando bate de frente com seus superiores fica claro a diferença de visão entre eles, o doutor quer aprender tudo que puder com a criatura, sem matá-la, os russos preferem eliminar o ser, pouco descobrindo sobre ele, desde que seus rivais também não aprendam nada.

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Outro que merece destaque é Doug Jones. Colaborador habitual de Del Toro, o norte-americano deu vida a boa parte das criaturas dos filmes do diretor. A expressividade do ator, que consegue passar  emoções e sentimentos como encantamento e vulnerabilidade apenas com a linguagem corporal, me faz perguntar quando as premiações vão finalmente olhar este tipo de trabalho como trabalho de ator?

Passado nos anos 60, A Foma da Água é uma homenagem ao cinema. Além das referencias ao Monstro da Lagoa Negra e A Bela e a Fera, há momentos como a linda sequencia em que Elisa se declara ao seu príncipe-anfíbio e o filme se transforma em um musical dos anos 30  e as diversas citações a Fred Asteire, Ginger Rogers, Shirley Temple e Carmen Miranda. Vale ainda ressaltar o sensacional trabalho de maquiagem do filme, que foi inacreditavelmente preterido na categoria do Oscar.

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A Forma da Água é uma bela fábula sobre excluídos em que, Guillermo Del Toro, mais uma vez, sensibilidade para fazer uso do choque entre a doçura de um mundo de fantasia e crueza da realidade para falar de um assunto ainda muito atual: o preconceito, em todas as suas horríveis formas.

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