Lobo e Cão
Direção: Cláudia Varejão
Chega hoje, 07 de setembro, ao Brasil, com distribuição do streaming Filmicca, Lobo e Cão, primeiro longa-metragem de ficção da diretora portuguesa Cláudia Varejão. O coming of age queer recebeu o prêmio de Melhor Filme da mostra Jornada dos Autores, do Festival de Veneza do ano passado.
O filme acompanha a história de dois adolescentes, nascidos em São Miguel, ilha que faz parte do arquipelogo de Açores. Ana é uma jovem introspectiva, que vive com a mãe, a avó e dois irmãos, sendo ela a irmã do meio. Seu melhor amigo é Luís, um jovem gay efeminado que, por sua vez, vive com a mãe e o pai. Quando a melhor amiga de Ana retorna a ilha, vinda do Canadá, para passar férias, a protagonista explora sua sexualidade e também sua relação com as tradições da ilha.
Para contar a história, Cláudia Varejão opta por mostrar fragmentos do cotidiano dos dois adolescentes de forma intimista e, digamos, aconchegante, mesmo em seus momentos tristes. Esse é meu primeiro contato com o trabalho da diretora e por essa escolha de tom senti uma influencia de Cría Cuervos, de Carlos Saura, e considerei a influência confirmada quando toca ¿Por qué te vas? em determinada parte da narrativa.
Viver em uma ilha traz uma sensação de isolamento, porém, não são os limites físicos os mais dificeis de transpor pelos dois protagonistas de Lobo e Cão. A vida da ilha, fortemente influenciada pelas tradições religiosas, pesa sobre os jovens, que não possuem a mesma visão de mundo de seus pais e sofrem com a sensação de inadequação ao lugar e seus costumes. Sendo assim, Ana e Luís vivem divididos entre fazer o que querem e seguir o que se espera deles. Ser cão, domesticado e manso, ou se tonar lobo e ir viver suas vidas, fora da ilha, da maneira que quiserem?
Vale destarcar que o elenco do filme é amador, mas nem suspeitei disso ao assitir, só descobri isso depois de pesquisar sobre o filme. Ana Cabral e Ruben Pimenta, especialmente, parecem atores experientes dada a entrega a seus personagens.
Ana e Luís encontram refugio apenas na comunidade LGBTQIA+ da ilha, uma espécie de idilio escondido de aceitação, onde podem ser quem são. Na familia de Ana, sua mãe sempre se queixa de como os jovens acham que precisam sair da ilha para viver. Na opinião dela, se deve aceitar o que a vida oferece e não desejar mais. Daí vem seus atritos com a jovem. Ao ponto que, em uma conversa com uma amiga, a mãe chega a dizer que Ana é a mais “dificil” de seus filhos, mesmo o mais velho sendo um tanto irresponsável. Ana é “díficil” porque tem sonhos e não quer permanecer na ilha (e ela ainda nem sabe que a filha é lésbica). O amor da mãe por seus filhos é incontestável, mas ele vem acompanhado de reprovação. Essa reprovação se reflete na protagonista, que em parte se sente culpada por posuir ambições.
Na casa de Luís, sua mãe o ama incondicionalmente, nunca reprova nada que o filho faz, nem mesmo o uso de maquiagem ou roupas femininas. Ela o ama pelo que é. Com o pai, a coisa é diferente. O homem prefere o silêncio, a maior parte do tempo, incluindo quando o filho é hostilizado por “irmãos” religiosos durante uma romaria. Dentro de casa, ele pode tolerar as maneiras do rapaz, mas se revolta quando todos ao redor podem ver como ele realmente é. Para ele, o filho é uma vergonha frente a pequena comunidade. Dessa forma, há bastante peso na cena em que Luís recusa um rosário dado-lhe como presente. Ele sabe que a tradição religiosa não o acolhe.