Filme de Quentin Tarantino concorre a 10 estatuetas no Oscar 2020
Era Uma vez em Hollywood
Once Upon a Time in Hollywood
Diretor: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Leonardo DiCaprio, Margot Robbie, Margaret Qualley, Julia Butters, Emile Hirsch, Dakota Fanning, Bruce Dern e Al Pacino
EUA, 2019
A filmografia de Quentin Tarantino sempre teve como assunto principal o próprio cinema. Através de citações em diálogos ou de rimas visuais, o diretor e roteirista sempre gostou de referenciar clássicos e obscuridades da sétima arte.
A temática pode ser a escravidão, nazismo ou o período pós-Guerra de Secessão, mas a história nunca será contada de forma realista. Há sempre um filtro de referências pops, situações/ diálogos cômicos e explosões de violência. Tendo como pano de fundo o próprio cinema, mesclando personagens ficcionais e reais, Era Uma Vez em Hollywood não poderia ser diferente.
Anunciado como o filme de Quentin Tarantino sobre os assassinatos arquitetados por Charles Manson em 1969 e executados por seus seguidores, de fato, Era uma vez em Hollywood mostra sua versão do ataque que resultaria na morte da atriz Sharon Tate (Margot Robbie), esposa de Roman Polanski (Rafał Zawierucha), e mais quatro amigos. No entanto, está longe de retratar os acontecimentos fielmente. O Olhar de Tarantino é sonhador e está mais interessado na passagem de tempo e as mudanças que isso traz do que examinar os assassinatos em si.
Na maior parte do tempo, a narrativa se concentra em dois personagens fictícios, um astro de filmes de ação em decadência, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), que mora na casa vizinha ao casal Polanski/Tate, e seu dublê/ melhor amigo, Cliff Booth (Brad Pitt).
Um dos pontos mais curiosos sobre Era Uma Vez em Hollywood é que, apesar dessa perspectiva romântica, o filme é movido pela quebra da idealização do cinema hollywoodiano. Dalton é o galã dos westerns, onde representa um ideal masculino de heroísmo e virilidade. Quer dizer, representava. O ator se encontra em crise, pois tem emendado apenas papéis de vilões em sua carreira e agora recebe a proposta atuar em Spaghettis. Em uma de suas melhores atuações, DiCaprio constrói Danton como uma figura imatura e sensível, características dificilmente associadas aos heróis do cinema clássico hollywoodiano.
Booth também é outro exemplo de dualidade. Lindo (é o Brad Pitt, ora, e ainda com um corte de cabelo que ressalta a semelhança com Robert Redford), charmoso, carismático e um excelente amigo, mas que tem um passado obscuro, onde paira a dúvida: ele assassinou sua esposa ou tudo não passou de um acidente? (aliás, uma provável referência ao caso Natalie Wood e Robert Wagner).
Quanto a Sharon Tate, o que Tarantino faz é meio que o mesmo que Kurt Busiek e Alex Ross fizeram para Gwen Stacy no clássico Marvels. A morte da namorada do Homem-Aranha serve de marco para o fim da ingenuidade nas HQs. Em Era Uma Vez em Hollywood, Tate é o último sopro de inocência em Hollywood. Com trejeitos de menina, a Sharon de Margot Robbie, é pura e doce, mas traz algumas sutilezas para lembrarmos-nos de sua humanidade, como o óculos de grau, os pés sujos por andar sempre descalça ou o ronco durante o sono.
Tão romanticamente retratada quanto Tate, é a cidade de Los Angeles. Na colorida fotografia de Robert Richardson, a cidade surge ensolarada e vibrante. Por ali também temos muitas referências aos 1960’s, através de pôsteres e marquises de cinemas.
A época também é reconstruída através dos figurinos e personalidades célebres que aparecem ou são citadas, como Steve McQueen (Damian Lewis) e Bruce Lee (Mike Moh). A aparição caricata desse último gerou irritação entre os fãs e revoltou sua filha, Sharon Lee, que afirmou que seu pai não era nada como mostra o filme. A atriz Emmanuelle Seigner, atual esposa de Polanski, também criticou Tarantino por usar a trágica morte de Tate sem consultar seu marido. Imagino que deva ser frustrante ver pessoas próximas retratadas de forma inexata, contudo tendo em vista que, como já escrevi no início do texto, a proposta do longa-metragem nunca foi narrar fatos verídicos (ao contrário de muito filme por aí que se vende como “baseado em fatos”, mas é cheio de “liberdades criativas), e sim uma versão fantasiosa, já era de se esperar que as representações de personalidades reais também fossem substituídas por ficção.
Era Uma Vez em Hollywood tem todas aquelas características tão comentadas do cinema de Quentin Tarantino, as referências pop, o humor e a violência. Mas, também é o filme mais sentimental do diretor, vide sequências como a que Sharon assiste orgulhosamente a The Wrecking Crew (1968), notando como o público gosta de sua participação; ou quando Dalton se comove com um elogio à sua atuação. Quer dizer, sentimental até onde Tarantino pode ser.
Dessa forma, o Era Uma Vez em Hollywood é muito mais uma crônica nostálgica sobre não esquecer o passado, mas aceitar as mudanças que o tempo traz, do que um filme sobre o assassinato de Sharon Tate.