The Founder
Direção: John Lee Hancock
Elenco: Michael Keaton, Nick Offerman, John Carroll Lynch, Laura Dern, Linda Cardellini, Patrick Wilson.
E.U.A, 2017.
Assisti ao filme Fome de Poder sobre Ray Kroc, homem que expandiu o McDonald\’s após o roubar dos verdadeiros fundadores. O filme demonstra porque a história da rede de fast food se confunde com a história do próprio capitalismo, sobretudo o capitalismo estadunidense.
Na trama Ray Kroc (Michael Keaton), vendedor de Illinois recebe um pedido de equipamento para produção de milk shake que ele nunca viu na vida. Interessado, se dirige ao local, que se trata da lanchonete dos irmãos Richard e Maurice \”Mac\” McDonald (Nick Offerman e John Carroll Lynch) no sul da Califórnia. Lá Kroc ver uma movimentação de consumidores fenomenal. Após muita insistência ele adquire uma participação nos negócios com a promessa de conseguir criar várias franquias pelo país, e assim o faz, porém era só o começo para devagar tirar os dois irmãos da jogada (isso não é spoiler, pos já está na sinopse), por fim Kroc vai transformar a empresa no gigantesco império multinacional alimentício que é hoje.
Dirigido por John Lee Hancock de “Um Sonho Possível” tal qual aquele filme, que eu até gosto, a narrativa de Fome de Poder tem um quê de novela na forma como a trama é conduzida e nos diálogos e situações. Assim também como os problemas que afligem muitas biografias, como os personagens que tiveram importância na história contada, mas que mal aparecem no filme, caso de Fred L. Turner, que de operador de grelha se tornou CEO da empresa, no filme ele só faz figuração. Também as esposas que Kroc teve, Joan Smith (Linda Cardellini) e Ethel Kroc (Laura Dern), só cumprem função, não têm muito espaço. Dern nem se fala, está muito desperdiçada, suas cenas são só para mostrar como Kroc descartaria fácil sua esposa já que não achava que ela estava no seu ritmo de ambição. Há ainda Patrick Wilson como o primeiro marido de Joan, não sei porque, poderia ser qualquer cara no papel.
Algumas críticas que li sobre outros pontos não concordei muito. Por exemplo, diziam que o filme não se preocupava em criticar as ações de Kroc, era como se defendesse essa ideologia de “o mundo é dos espertos, dane-se os otários”. Lógico que o filme não é crítico como Super Size Me, por exemplo, a história é contada com uma fotografia leve e de cores vibrantes e Michael Keaton, brilhante no papel sua interpretação é o que vale a pena de fato no filme, interpreta o empresário com todo carisma e lábia que pedia, enfim humano, não caricato. Temos que lembrar que o filme é contado pela ótica de Kroc, se os irmãos fossem os protagonistas então sim o filme seria mais dramático e ele apareceria como coadjuvante e o vilão. O filme tem um tom leve que soa como irônico, pois para Kroc sua história é mesmo um belo conto de sucesso do indivíduo no capitalismo.
Porém, ainda que vários fatos tenham ficado de fora do filme, ele não deixa de mostrar como Kroc era um canalha. O filme mostra como é o capitalismo, não venha com papo de meritocracia, de que trabalhar e acordar cedo vai te fazer milionário. Como aparece no filme para ser rico ou você nasce rico ou a forma de se tornar rico é expropriando outros, Foi assim que Kroc criou seu império, pisando em outros, como ele disse:\”se visse um concorrente se afogando, colocaria uma mangueira na sua boca.\” Assim é o capitalismo.
Kroc observou como os irmãos McDonald\’s faziam e replicou, foram eles que adaptaram a linha de montagem do Taylorismo/Fordismo para a produção de lanches. Mesmo as franquias não foi Kroc quem investiu a maior parte do dinheiro, foram as pessoas que toparam ser “franqueados” da empresa. Nem mesmo a forma como Kroc encontra para tirar os irmãos McDonald\’s da jogada foi pensada por ele, que não vou falar mais para ninguém reclamar de spoiler. Kroc tinha disposição para lidar com dinheiro e criar soluções para aumentar lucros, tinha também muita lábia. Com a empresa na mão foi só administrar e assim a transforma numa grande multinacional. O McDonald\’s é um dos maiores exemplos para pensar a internacionalização da economia no capitalismo, a Globalização, que é um processo não só econômico, mas de hábitos e cultura, caso dos padrões alimentares que a partir daí se transformam no mundo todo.
O filme acompanha os fatos sem se focar em criticar, porém concordar com o que o personagem faz é uma escolha sua. Ouvi uma conversa de uma moça no final da seção, ela falou “No mundo dos negócios é assim, tem que ter sangue nos olhos”. Só que o mundo dos negócios não está fora do restante do mundo, são pessoas que são expropriadas e têm a saúde afetada pela perda de qualidade dos produtos em nome do aumento do lucro, como o filme mostra que Kroc já fazia na época. Aprovar isso é achar que vale a pena reproduzir a lógica do capitalismo, não ter ética nem escrúpulos em nome do enriquecimento, é isso, sem meio termo. Só um ingênuo acredita que alguém se torna detentor de meios de produção sendo honesto e bom.
Para terminar, como em várias biografias hoje em dia, no fim do filme há um depoimento curto do próprio Kroc, ao menos dá para ver como Keaton fez bem seu papel. E o filme diz que ele também foi filantropo, outra coisa normal do capitalismo, o cara ferra um monte de gente, mas faz uma solidariedade aqui outra ali para mostrar como é humano.