Review – História de um Casamento

História de um Casamento

Marriage Story

Direção: Noah Baumbach

Elenco: Adam Driver, Scarlett Johansson, Azhy Robertson, Laura Dern, Ray Liotta e Alan Alda

EUA, 2019

\"\"

História de um Casamento se inicia com narração de Charlie (Adam Driver) descrevendo as características que mais gosta na esposa, Nicole (Scarlett Johansson), acompanhadas por imagens fofas da mesma. Em seguida, é a vez dela contar o que mais aprecia no marido. Porém, logo depois, descobrimos que estamos na sala de um intermediador de divórcio, onde Nicole se recusa a ler o texto que escrevera no exercício pedido pelo profissional. A cena funciona como uma quebra de expectativa romântica, ao mesmo tempo que ilustra como, mesmo que ambas as partes concordem com o fim do relacionamento, o momento sempre será penoso, já que, de certa forma, admitir o fim é também admitir um fracasso. 

Dessa forma, História de um Casamento é a história do  divórcio entre Charlie, respeitado diretor teatral, e Nicole, protagonista de suas peças, acompanhado as brigas pela guarda do filho do casal, Henry (Azhy Robertson) e decepções acumuladas que vêm à tona.

Por aí no film twitter e grupinhos cinéfilos no Facebook, vi umas discussões sobre quem é o errado(a) nessa história. Seria Charlie um marido tóxico que passou todos esses anos de casamento abusando psicologicamente da esposa? Ou  seria Nicole uma surtada que quer torturar o marido, afastando-o do filho?

Sinceramente, acho toda essa discussão infrutífera. Primeiro, independente de quem você quer pintar como vilão, isso só é possível se você preencher o filme com fatos que não são sequer sugeridos, muito menos mostrados, criando uma lógica que é baseada na sua experiência/leitura de mundo, não no que o filme apresenta. Em segundo lugar, essa discussão também só é possível por que muita gente ainda tem uma visão maniqueísta do mundo ou, pelo menos do cinema, acreditando que toda narrativa precisa de um vilão. História de um Casamento não apresenta uma visão simplista sobre o divórcio. Tanto Charlie quanto Nicole cometeram erros, mas nenhum deles é uma pessoa ruim, planejando atos para criar sofrimento para o outro.

\"\"

 Vivendo em uma sociedade patriarcal e machista, obviamente, Charlie, mesmo que inconscientemente, tirou proveito de suas vantagens como homem: traiu a esposa, a negligenciou. Ele não obrigou Nicole a deixar sua carreira de atriz de cinema em Hollywood, para segui-lo até Nova Iorque, mas, tomou como algo natural o ato da esposa abrir mão de tudo para apoiá-lo e cuidar do filho. E, na continuidade do casamento, se acomodou nessa posição, sem maiores reflexões. Nicole, por sua vez, não é manipuladora ou cruel, ela apenas cansou de ser coadjuvante; cansou de se anular, de ver seus planos e vontades tratados como algo de menor importância. 

Um bom exemplo é a decisão de onde a família iria viver. Nicole prefere Los Angeles, cidade onde cresceu e onde sua mãe e irmã vivem; Charlie prefere o apartamento em Nova Iorque. O casal conversou sobre a mudança para Los Angeles, mas o assuntou foi sendo eternamente adiado. Inclusive, quando surge para Nicole a oportunidade de voltar à sua cidade para protagonizar uma série de TV, Charlie, em sua visão prepotente sobre arte somada à dificuldade de enxergar a esposa como uma pessoa dissociada dele, com vontades e opiniões próprias, faz pouco do projeto, sem perceber que para ela, embora saiba que os roteiros do seriado não são um primor, vê este como uma chance de fazer algo para si, sem relação com o marido.

O principal erro de Nicole é envolver advogados. Querendo garantir que seu filho continue morando com ela e sem conseguir travar diálogo com Charlie, pois as conversas sempre terminam em briga,  ela contrata a advogada especialista em divórcios, Nora (Laura Dern). A entrada de Nora no processo obriga Charlie a também contratar um advogado (Ray Liotta). E esse é o principal foco de História de um Casamento, como advogados podem complicar situações que poderiam ser resolvidas se os casais conseguissem conversar. 

Enquanto os advogados friamente montam estratégias para favorecer seus clientes, Charlie e Nicole assistem a situação fugir do controle, se tornando cada vez mais feia e grotesca. A sequência no tribunal, onde ambos trocam acusações é ótima, pois ambos se encontram exaustos e constrangidos por transformar qualquer deslize do outro em um grande defeito que o incapacita a cuidar do filho.

No fim das contas, a ruptura do relacionamento, como a sequência inicial do filme mostra, não significa o fim do sentimento, apenas a sua transformação.

\"\"
0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
0
Adoraria saber sua opinião, comente.x
Rolar para cima