Review – Roma

Direção: Alfonso Cuarón

Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Daniela Demesa, Marco Graf , Nancy García, Jorge Antonio Guerrero, Fernando Grediaga, Verónica García

México, 2018

Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, Roma foi inspirado pela infância do diretor Alfonso Cuarón. Focado nas mulheres e a vida doméstica, o filme é um relato sobre o cotidiano de Cleo (Yalitza Aparicio), empregada doméstica, e a família de classe média para qual trabalha.

O título do filme é o nome do bairro onde a trama se passa, a Colonia Roma, uma zona de classe média alta no México, que possui arquitetura com inspiração européia. Cuarón cresceu em uma casa nesse bairro. Aliás, em vez de usar estúdios, o diretor decidiu realizar as filmagens em uma casa na região, que foi reconfigurada para que se parecesse com o local onde passou a infância.

Cuarón também dedica o filme a \”Libo\”, que é como ele e sua família chamam Liboria Rodríguez, uma mulher de origem indígena que começou a trabalhar para eles quando o diretor tinha 9 meses e cuja história de vida serve de base para o longa. Segundo o diretor, à medida que ele crescia, passou a entender que Libo tinha uma história própria, e não era apenas alguém que fazia sua comida.

Outra referência a infância do diretor está na cena em que as crianças vão com a babá assistir a Sem Rumo no Espaço (1969), um dos filmes favoritos do diretor quando criança e que lhe serviu de inspiração para Gravidade. Aliás, toda a recriação de época é extremamente cuidadosa. Uma das cenas mais impressionantes do filme mostra o \”massacre de Corpus Christi\” ou \”Halconazo\”, que ocorreu em 10 de junho de 1971, durante o governo do presidente Luis Echeverría e causou a morte de cerca de 120 estudantes. Um protesto estudantil pedia libertação de presos políticos e mais investimentos em educação, mas terminou como um banho de sangue quando o governo enviou soldados treinados pela CIA, de um grupo paramilitar financiado pelo Estado e conhecido como \”Los Halcones\”, para reprimi-los. De acordo com testemunhas, a princípio, o grupo utilizava bastões e varas de bambu, empregado a arte marcial japonesa kendo, mas, depois passaram a usar armas de fogo. Daí as sequencias do treinamento do namorado de Cleo.

A partir da história de Cleo, Cuáron demonstra os contrastes entre as classes sociais, mas também seus paralelos. No casarão da família, Cleo divide um quarto minúsculo com outra empregada. Elas são responsáveis por todo o serviço doméstico e cuidados com as crianças. Nos momentos de folga, costumam ir ao cinema com seus namorados, que vivem em uma região distante e mais pobre.

Quando a jovem engravida, vemos o paralelo entre patroa e empregada. Enquanto Cleo se vê sozinha para lidar com a gravidez, Sofia (Marina de Tavira) também é abandonada pelo marido. Apesar da diferença de classe social, o papel de homens e mulheres é o mesmo. O homem tem liberdade para se entediar, querer dar um tempo no casamento, na família, ou não se sentir pronto para ser pai, ter outros objetivos; já a mulher é responsável pelos filhos, a casa.

Tenho visto algumas críticas ao filme afirmando que Cuáron não problematiza a relação patrão x empregado. Discordo. Mesmo com as paralelos, os contrates e desigualdades persistem e são sim mostrados, só que o diretor opta por ser sutil.

Embora Sofia se compadeça e ajude a empregada durante a gravidez; embora os laços com as crianças sejam claros; apesar do discurso de união da patroa; ainda assim não passa despercebido que Cleo continua sendo enxergada apenas como \”a empregada\”. A cena final demonstra essa relação perfeitamente: todos acabaram de chegar de viagem, estão reunidos na sala, mas logo uma das crianças pede algo para comer e a empregada segue para a cozinha. Mesmo que a família se sinta ligada à ela, mesmo que gostem dela de verdade, Cleo continuará em seu quartinho, cumprindo suas tarefas em silêncio, enquanto a família segue sua vida, sem saber praticamente nada sobre essa mulher ou como ela se sente.

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